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Processo n.º 806/10
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Por Acórdão de 3 de Março de 2010 proferido nos autos de apelação com o n.º 16390/04.3TJPRT.P1, decidiu o Tribunal da Relação do Porto julgar o recurso interposto da sentença proferida pela expropriante improcedente e o interposto pelos expropriados parcialmente procedente, condenando aquela a pagar a estes a quantia de €689 800,00, acrescida de actualização, a título de indemnização devida pela expropriação de dada parcela, melhor identificada nos autos.
A expropriante, inconformada, alegando oposição de julgados, dele interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, por requerimento apresentado em juízo em 22 de Março de 2010, nos termos dos artigos 66.º, n.º 5, do Código das Expropriações (CE), 678.º, n.º 4, e 721.º do Código de Processo Civil (CPC), este último na redacção anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.
Os expropriados, por seu lado, vieram, por requerimento apresentado em juízo em 23 de Março de 2010, requerer a reforma do Acórdão, nos termos dos artigos 668.º, n.º 1, alínea d), e 669.º, n.º 2, do CPC.
Admitido o recurso de revista, por despacho do relator no Tribunal da Relação do Porto de 31 de Maio de 2010, veio o mesmo a ser julgado deserto, por falta de alegações, por despacho do mesmo relator de 14 de Julho de 2010.
Por acórdão de 6 de Maio de 2010, foi, por seu turno, indeferido o pedido de reforma formulado pelos expropriados.
Vieram então os expropriados, ora recorrentes, por requerimento apresentado em juízo em 15 de Setembro de 2010, interpor recurso do Acórdão de 3 de Março de 2010 para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da inconstitucionalidade da norma do «artigo 26.º, n.º 1, do Código das Expropriações, interpretada no sentido de que o cálculo do valor do solo apto para a construção, expropriado para a execução de um plano de pormenor, deve fazer-se por referência à contribuição da área da parcela expropriada para a capacidade edificativa da parcela do plano (mais ampla) que resulta do reparcelamento e onde aquela se integra, e não por referência à área de construção que, em concreto, é prescrita por aquele plano urbanístico para a parcela expropriada e que será aí construída, em especial nos casos em que os expropriados foram excluídos da respectiva operação de reparcelamento e do sistema de perequação/vantagens estabelecido no plano», por violação dos princípios da igualdade, da justiça, da proporcionalidade e da justa indemnização (artigo 13.º, 62.º e 266.º, n.º 2, da Constituição).
O Tribunal da Relação do Porto decidiu, contudo, por despacho de 23 de Setembro de 2010, não admitir, por extemporâneo, tal recurso, tendo os ora recorrentes dele reclamado, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 76.º, n.º 4, e 77.º da LTC.
O Ministério Público, em resposta, pugna pelo indeferimento da reclamação.
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
2. A regra geral é a de que o prazo de recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 dias e se inicia no dia seguinte ao da notificação da decisão recorrida ao recorrente (artigo 75.º, n.º 1, da LTC).
No caso vertente, os expropriados/recorrentes requereram a reforma do acórdão recorrido, pelo que, integrando-se a decisão do pedido de reforma no acórdão dela objecto (artigo 670.º, n.º 1, do CPC, aplicável), o prazo de interposição do recurso de constitucionalidade inicia-se, de acordo com a regra geral, no dia seguinte ao da notificação ao requerente da decisão que recaiu sobre tal incidente pós-decisório.
À luz da regra geral, será, pois, intempestivo o recurso de constitucionalidade interposto do acórdão recorrido após o decurso do prazo de 10 dias legalmente fixado para o efeito.
Invocam os expropriados/recorrentes, contudo, a circunstância, que a decisão reclamada julgou processualmente irrelevante, de os expropriantes/recorridos terem interposto do Acórdão do Tribunal da Relação recurso de revista, por oposição de julgados, para o Supremo Tribunal de Justiça, que apenas veio a ser julgado deserto, por falta de alegação, após o decurso do prazo geral de recurso da decisão do seu pedido de reforma, o que, a seu ver, lhes confere o direito processual – ou, mesmo, impõe o correspondente ónus – de aguardar seja proferida decisão definitiva sobre o recurso instaurado pela parte contrária, à luz do princípio do esgotamento dos recursos ordinários, categoria em que, sustenta, se integra o recurso de revista interposto pelos expropriantes/recorridos (artigo 676.º, n.º 2, do CPC, na redacção anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 303/07, de 24 de Agosto, aplicável), tanto mais que, no caso, os fundamentos do recurso de revista tinham conexão com a questão de inconstitucionalidade por si suscitada em sede de alegações de recurso para o Tribunal da Relação, pelo que, em rigor, até à decisão daquele recurso de revista carecia o acórdão proferido por esta instância, quanto a tal questão de inconstitucionalidade, da definitividade processualmente exigida como condição de prosseguimento do recurso de constitucionalidade.
Por outro lado, alegam ainda os reclamantes, gozam da prorrogação de prazo prevista no n.º 2 do artigo 75.º da LTC para a situação de não admissão, por irrecorribilidade, de recurso ordinário interposto, mesmo que para uniformização de jurisprudência – a que se devem equiparar todas as situações em que o recurso não pode ter seguimento por razões de ordem processual, como é o caso da deserção decorrente da não apresentação de alegações (artigo 70.º, n.º 4, da LTC) –, pelo que, também à luz da regra especial consagrada naquele normativo legal, estava em tempo o recurso para o Tribunal Constitucional porque interposto no prazo de 10 dias contado do momento em que se tornou definitiva a decisão que julgou extinto, por deserção, o recurso de revista instaurado, com fundamento em oposição de julgados, pela parte contrária.
Vejamos, pois, se, como alegam os reclamantes, se justificava e, mesmo, impunha, à luz do princípio do esgotamento prévio dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), aguardar pelo trânsito da decisão que viesse a ser proferida no recurso de revista interposto pela parte contrária, contando-se o prazo legal para recorrer para o Tribunal Constitucional apenas deste último momento (artigo 75.º, n.º 2, da LTC) ou, ao invés, são inaplicáveis os invocados normativos legais, com o significado interpretativo que os mesmo lhes atribuem, como sustentou o Tribunal recorrido.
A propósito do princípio consagrado no primeiro dos citados normativos legais e respectiva ratio, sublinham os reclamantes, citando diversa jurisprudência constitucional, que «a jurisdição constitucional só deve ser chamada a reapreciar, por via da fiscalização concreta, as decisões que apliquem normas cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, quando tais decisões constituam a última palavra dentro da ordem judiciária em que se integram os tribunais que as proferiram. E isto porque a intervenção do órgão de fiscalização concreta de constitucionalidade só se justifica quando, na ordem dos tribunais de que dimana a decisão recorrida, se haja decidido definitivamente a questão de constitucionalidade».
Assim, transpondo tal entendimento para o caso vertente, defendem que, estando ainda pendente, no recurso de revista por oposição de julgados, a apreciação da questão de constitucionalidade por si suscitada no recurso interposto junto do Tribunal da Relação – «(…) por a oposição invocada pela Recorrida ter precisamente a ver com a ponderação no cálculo indemnizatório das soluções urbanísticas previstas no PPA» – o acórdão proferido por esta instância não constituía ainda a última palavra decisória sobre tal questão, que competiria, diferentemente, ao Supremo Tribunal de Justiça por via do recurso de revista para este interposto pela recorrida.
Afigura-se-nos, contudo, que, não só não está comprovada a alegada conexão objectiva, na perspectiva da inconstitucionalidade suscitada, entre o recurso interposto pelos recorrentes, ora reclamantes, para o Tribunal da Relação de Lisboa, e o que veio a ser interposto pelos recorridos do acórdão desta instância para o Supremo Tribunal de Justiça – sendo claramente insuficiente, para o sustentar, o que se invoca, no requerimento de interposição do recurso de revista –, como, ainda que o Supremo Tribunal de Justiça se viesse a pronunciar, em sede do recurso instaurado pela parte contrária, sobre tal questão de inconstitucionalidade (ou conexa), a verdade é que, não tendo sido do ora reclamante o impulso processual de a suscitar, para resolução definitiva, perante esta última instância, sempre careceria de legitimidade para interpor recurso de constitucionalidade do acórdão que viesse a julgar tal recurso de revista.
É que, se é certo que a intervenção do Tribunal Constitucional apenas assume utilidade instrumental, na perspectiva da manutenção ou revogação da decisão recorrida, quando esta representa a última palavra proferida pelo Tribunal para tanto competente, na respectiva ordem jurisdicional, a verdade é que a imposição, como condição do recurso de constitucionalidade, do esgotamento das vias ordinárias de recurso assume, em regra, no contexto dos diversos pressupostos processuais que enformam tal recurso, um sentido e alcance claramente individual, sujeitando a parte que suscita a questão de inconstitucionalidade ao ónus de esgotar, por impulso ou dinâmica processual próprios, todas as etapas processuais de recurso ordinário da decisão judicial que a apreciou, sendo nesse condicionalismo processual que a jurisprudência constitucional, inclusive aquela que o recorrente abundantemente cita na presente reclamação, tem densificado tal princípio.
E, não sendo obrigatório, para efeitos de recorribilidade da decisão junto do Tribunal Constitucional, interpor dela recurso para uniformização de jurisprudência, a verdade é que toda a regulação adjectiva, designadamente ao nível dos prazos aplicáveis e sua contagem, dos efeitos da interposição facultativa de um tal recurso, assentam no pressuposto de que quem o deduziu foi quem havia suscitado a questão de inconstitucionalidade perante as instâncias antes chamadas a intervir, sendo, nesse condicionalismo, legítimo que o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional só se inicie após o julgamento de tal recurso ou, sendo indeferido, após o trânsito da decisão de rejeição.
Assim vistas as coisas, nenhum argumento em contrário se retira da jurisprudência constitucional citada pelo recorrente para fundamentar entendimento diverso.
Com efeito, e como o recorrente logo reconhece, o que se trata no acórdão n.º 573/06 é a possibilidade do conhecimento imediato de recurso de constitucionalidade interposto por uma das partes, estando ainda pendente de decisão recurso para uniformização de jurisprudência interposto pela parte contrária, sendo que da sua admissão não se retira qualquer tomada de posição quanto às consequências processuais de uma eventual não instauração, nesse contexto, do recurso de constitucionalidade, no prazo geral legalmente previsto para o efeito, pela parte que não optou pela interposição do recurso para uniformização de jurisprudência.
Por outro lado, também a circunstância de o Tribunal Constitucional ter julgado, no invocado acórdão n.º 188/98, tempestivo o recurso de constitucionalidade interposto pelo Ministério Público apenas após a decisão de um pedido de aclaração da decisão recorrida formulado pela parte contrária, não legitima a reclamada admissão, por tempestiva, do recurso de constitucionalidade ora interposto pelos recorrentes.
É que, na situação apreciada no citado acórdão, o que estava pendente de conhecimento era um pedido de aclaração cuja decisão, como vimos, se integra na própria decisão recorrida, não sendo evidentemente viável o conhecimento do recurso de constitucionalidade (ou de qualquer outro) de uma decisão sobre que impende tal incidente pós-decisório, só se iniciando, pois, o prazo de recurso depois da resolução judicial de tal incidente, por expressa previsão legal (artigo 686.º, n.º 1, do CPC, na redacção então vigente), sendo irrelevante que a parte que o deduziu seja ou não a mesma da que interpõe o recurso de constitucionalidade.
Ora, no caso sub judicio, foi proferida uma decisão que, após o julgamento do pedido de reforma formulado pelos recorrentes, se configura como completa ou perfeita, em tal dimensão, sendo que a opção tomada por estes em não interpor dela recurso de revista, por oposição de julgados, conferia ainda à decisão recorrida, na perspectiva de quem suscitou a questão de inconstitucionalidade, a definitividade que a lei impõe como condição processual de a ver reapreciada por este Tribunal Constitucional, relevando, pois, neste caso, que um tal meio impugnatório especial tenha sido instaurado pela recorrida e não pelos recorrentes.
Por tais razões, não se afigura que o invocado princípio do esgotamento das vias ordinárias de recurso – cujo sentido interpretativo não pode, em regra, ser desfocado da posição processual da parte que suscita a questão de inconstitucionalidade e a pretende ver reapreciada em sede de recurso de constitucionalidade – impusesse decisão diferente da que foi proferida pelo Tribunal recorrido e constitui objecto da presente reclamação.
E sendo a norma do n.º 2 do artigo 75.º da LTC – que os reclamantes igualmente invocam como fundamento da presente reclamação – manifestação de tal princípio, não é possível nela ancorar, como pretendem os reclamantes, a admissão do recurso de constitucionalidade rejeitado pelo Tribunal recorrido.
De facto, também a regra excepcional consagrada no citado normativo legal pressupõe que o recurso ordinário rejeitado, por irrecorribilidade da decisão, tenha sido interposto pela mesma parte que havia suscitado a questão de inconstitucionalidade e pretende recorrer da decisão que a apreciou para o Tribunal Constitucional.
Por outro lado, considerando a sua natureza excepcional, não se afigura sustentável a ampliação, por interpretação extensiva ou aplicação analógica, do seu âmbito previsional, aos casos em que, verificado tal pressuposto, o fundamento da rejeição do recurso seja outro que não a irrecorribilidade da decisão (cf., neste sentido, entre outros, Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 210/01 e 1/04), como pretendem os reclamantes.
O recurso interposto junto deste Tribunal Constitucional pelos reclamantes não pode, pois, por intempestivo, prosseguir para apreciação de mérito, como decidido pelo tribunal recorrido.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 16 de Fevereiro de 2011.- Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Gil Galvão.