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Processo n.º 866/10
2.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, A. interpôs recurso do acórdão de 21 de Abril de 2010 – que confirmou o indeferimento de diligência, requerida nos termos do artigo 340.º do Código de Processo Penal (CPP) - fundamentando tal interposição no disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações posteriores (Lei do Tribunal Constitucional, doravante, LTC).
A recorrente, definiu, como objecto do recurso, a apreciação da constitucionalidade “do artigo 340º, nº 1 e 4, do C.P.P., quando interpretado no sentido de que não se deve ordenar a perícia à letra, porque “grande parte da letra objecto da perícia requerida encontra-se efectuada em letra de imprensa, não realizando os organismos competentes perícia sobre este tipo de letra”, sabendo-se como se admite na decisão tomada que existem vocábulos manuscritos sem o serem em letra de imprensa.”
2. No Tribunal Constitucional, foi proferida Decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Na fundamentação de tal decisão, refere-se, nomeadamente, o seguinte:
“5. O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso, da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objecto normativo – norma ou interpretação normativa – como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa (CRP); artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
6. Vejamos se os aludidos requisitos – de necessária verificação cumulativa – se encontram preenchidos in casu.
Comecemos pela análise da questão da idoneidade do objecto.
Não obstante a recorrente identificar um preceito do Código de Processo Penal (CPP), como suporte da interpretação a sindicar, é manifesto que se encontra ausente, da enunciação do objecto de recurso, qualquer dimensão normativa.
Na verdade, a recorrente pretende a sindicância da própria decisão jurisdicional, enquanto acto de julgamento ou de ponderação casuística da singularidade própria do caso concreto.
Tal pretensão é indisfarçável perante a exposição da recorrente, que se transcreve:
“(…) pretendendo-se que seja apreciada a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do artigo 340º, nº 1 e 4, do C.P.P., quando interpretado no sentido de que não se deve ordenar a perícia à letra, porque “grande parte da letra objecto da perícia requerida encontra-se efectuada em letra de imprensa, não realizando os organismos competentes perícia sobre este tipo de letra”, sabendo-se como se admite na decisão tomada que existem vocábulos manuscritos sem o serem em letra de imprensa.
Acresce que um dos vocábulos de cunho personalístico rasura o impresso e é significativo de alteração de vontade e contraria a única testemunha da Acusação Conservador do Registo Civil.”
A recorrente não define qualquer critério ou interpretação normativa extraível do conteúdo do artigo 340.º do CPP e autonomizável das concretas operações subsuntivas feitas pelo julgador, no caso concreto.
Aliás, em todos os momentos em que, previamente, a recorrente se refere à violação de normas constitucionais, imputa tal violação directamente à decisão de indeferimento da perícia e não a qualquer critério normativo ou regra abstractamente enunciada e vocacionada para uma aplicação genérica, circunstância que sempre conduziria à inadmissibilidade do recurso, por incumprimento do ónus de suscitação prévia perante o tribunal a quo, ainda que a recorrente tivesse conseguido – o que, reitera-se, não se verifica – definir um objecto de recurso de natureza normativa, no respectivo requerimento de interposição.
Ilustrativas da conclusão a que chegámos são as alusões feitas na peça processual em que a recorrente refere “requerer a declaração da (…) nulidade ou correcção” da decisão de 3 de Fevereiro de 2010:
“ 33. (…) não só foram violadas normas penais, mas sobretudo “Sendo Constitucionalmente consagrado que “O Processo Criminal assegurará todas as garantias de defesa”, vd. Artigo 32º, nº 1 da CRP, ao decidir-se pelo indeferimento da perícia requerida violou-se entre outras normas constitucionais logo esta, mas também o nº 2 do artigo 205° da nossa lei fundamental.
(…)
46. Pelo exposto, não sendo admissível recurso, deve o Tribunal que proferiu o Acórdão suprir as nulidades ora reclamadas, no respeito da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente nos artigos, primacialmente, atinentes com o presente caso, como os artigos nºs 2º; 27º, nº 1; 32º, nº 1, e internacionalmente respeitados como os artigos 14°, nº 1 do PIDCP; e o artigo 6º, § 1º da CEDH, cujo não respeito constitui flagrante violação dos princípios ínsitos nesses preceitos.”
Nestes termos, sendo certo que o Tribunal Constitucional apenas pode sindicar a constitucionalidade de normas ou interpretações normativas e não de decisões, nomeadamente jurisdicionais, não compreendendo o nosso ordenamento jurídico a figura do recurso constitucional de amparo ou queixa constitucional, concluindo-se pela inexistência de suscitação de uma verdadeira questão normativa, no presente caso, encontra-se prejudicada a admissibilidade do recurso.”
É esta a Decisão sumária que é alvo da presente reclamação.
3. Fundamentando a sua discordância relativamente à decisão reclamada, refere a reclamante que definiu um conteúdo normativo, reiterando que está em causa a apreciação do artigo 340.º, n.ºs 1 e 4 do Código de Processo Penal.
Acrescenta que “interpretar o artigo 340.º, nº 1 e 4, no sentido de que perante esse normativo se pode impedir uma perícia que contribuiria para a descoberta da verdade, porquanto grande parte da letra objecto da perícia é manuscrita em letra de imprensa, sabendo-se, além do mais que existe, também, letra manuscrita de cunho perfeitamente pessoal e não de imprensa (…) está-se a impedir o Arguido de usar dos meios legítimos para a sua defesa e que se encontram garantidos constitucionalmente no artigo 32º, nº 1.”
Conclui que a interpretação, cuja sindicância de constitucionalidade requer, tem uma dimensão normativa, geral e abstracta, incidindo sobre o artigo 340.º, no caso de perícias de letra.
4. O Magistrado do Ministério Público respondeu à reclamação, defendendo o indeferimento da mesma, face à circunstância de a reclamante não ter enunciado qualquer questão normativa, nem no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, nem previamente – perante o tribunal a quo – na reclamação para a conferência da decisão sumária, que negou provimento ao recurso.
Concluiu que era fundamental que a reclamante “tivesse definido um qualquer critério ou interpretação normativa extraível do conteúdo do artigo 340.º do CPP e autonomizável das concretas operações subsuntivas feitas pelo julgador, no caso concreto”, o que não sucedeu.
II – Fundamentos
5. Como resulta do teor da reclamação apresentada e do seu confronto com os fundamentos exarados na decisão sumária reclamada, a reclamante não aduziu argumentos que infirmassem a correcção do juízo efectuado.
Na verdade, a reclamante limita-se a defender a existência de um verdadeiro conteúdo normativo da questão colocada no objecto de recurso, nos termos delimitados no respectivo requerimento de interposição.
Porém, não lhe assiste razão, porquanto, não obstante a referência ao artigo 340.º do Código de Processo Penal, constata-se que a reclamante enuncia, sob a capa ou aparência de uma interpretação normativa, uma pretensão de sindicância do concreto juízo subsuntivo que conduziu ao indeferimento da perícia requerida, não logrando autonomizar um verdadeiro critério normativo, como regra geral e abstracta, extraível do referido preceito infra-constitucional.
Assim, apenas resta reafirmar toda a fundamentação constante da decisão reclamada e, em consequência, concluir pelo indeferimento da reclamação apresentada.
III – Decisão
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a reclamação apresentada e, em consequência, confirmar a decisão sumária reclamada proferida no dia 17 de Janeiro de 2011.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 3 de Março de 2011.- Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos.