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Processo n.º 654/10
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1. Nos presentes autos, foi interposto recurso pelo Ministério Público, para si obrigatório, ao abrigo do artigo 280º, n.º 1, alínea a), e n.º 3 e dos artigos 70º, n.º 1, alínea a), e 72º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão proferido, em conferência, pela 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, em 23 de Junho de 2010 (fls. 190 a 207), para que seja apreciada a constitucionalidade da norma extraída do n.º 3 do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de Setembro, quando interpretada no sentido de considerar ser aplicável a coima aí prevista, – moldura sancionatória oscila entre 15.000 e 30.000 euros – nos casos em que a recusa de apresentação do livro de reclamações persiste, mesmo após presença da autoridade policial, a pedido do consumidor.
2. A decisão recorrida foi proferida a propósito de recurso de decisão proferida pelo 3º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, em 03 de Março de 2010 (fls. 146 a 159), interposto pela ora recorrida, a qual se passa a resumir:
“6. A aqui Recorrente, em sede de audiência de julgamento, invocou a inconstitucionalidade do artº 9, nº 1 al. a) e nº 3 do Decreto-Lei 156/2005, por violação do princípio da proporcionalidade, previsto no artº 18, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
7. O Tribunal «a quo» entendeu apenas ser inconstitucional a norma do nº 3 do artº 9 do citado decreto lei,
(…)
Contudo,
10. Entendeu ser possível aplicar aos autos a norma prevista no artº 9, nº 1, al. a) do citado decreto-lei.
(…)
Conclusões
A –A fixação dos limites mínimos e máximos das coimas, previstos na al. a) do nº 1, do artº 9º do Decreto-Lei 156/2005, aplicável aos comportamentos tipificados na al. b) do nº 1, do artº 3 do mesmo diploma legal é inconstitucional.
B – Sendo que os valores mínimos de € 3.500,00 e máximo de € 30.000,00 € a aplicar no caso de se tratar de pessoas colectivas, são manifestamente desproporcionais face aos valores e bens jurídicos que a lei pretende prevenir e fazer respeitar.
(…)
D – A norma prevista na al. a) do nº 1, do artº 9º do Decreto-Lei 156/2005, no segmento que diz respeito à violação do disposto na al. b) do nº 1, do artº 3 do mesmo diploma legal, é inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e proporcionalidade previstos nos artºs 13 e 18, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.” (fls. 164-verso, 165 e 166-verso)
Apreciando o objecto do recurso, assim definido, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto viria a apreciar, exclusivamente, a questão da alegada inconstitucionalidade da norma extraída da alínea a) do n.º 1 do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 156/2005, tendo concluído pela sua não inconstitucionalidade.
Notificado de tal decisão, o representante do Ministério Público, junto do Tribunal da Relação do Porto, viria a interpor recurso – por si entendido como obrigatório – daquele acórdão, na medida em que este, “negando provimento ao recurso interposto pela Arguida, confirmou na íntegra a sentença proferida no Tribunal de Pequena Instância Criminal (TPIC) do Porto, a qual (…) julgou inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, o nº 3 do art. 9º do DL nº 156/2005 de 15/09” (fls. 212).
3. Notificado para tal pela Relatora, o Ministério Público produziu alegações, das quais constam as seguintes conclusões:
«1- Como no Acórdão proferido no Tribunal da Relação do Porto – a decisão recorrida - não foi, nem poderia ser, recusada a aplicação com fundamento em inconstitucionalidade, da norma do nº 3 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 156/2005, de 15 de Setembro, falta um requisito de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da LTC, não devendo pois, dele conhecer-se.
2- Numa jurisprudência uniforme e constante o Tribunal Constitucional tem entendido que o legislador ordinário goza de uma ampla liberdade de conformação, na definição de crimes e fixação de penas, sendo de considerar violado o princípio de proporcionalidade (artigo 18º, nº 2, da Constituição), apenas quando a sanção se apresente como manifesta e ostensivamente excessiva.
3- Em direito sancionatório, essa ampla liberdade de legislador ordinário só pode ser maior, quando exercida fora do âmbito criminal, como é o caso do direito de mera ordenação social.
4- Tendo o Governo competência para legislar em matéria contra-ordenacional, desde que respeite o regime geral (Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro), goza, portanto, uma liberdade reforçada, no que respeita à tipificação como contra-ordenação de certas condutas e à fixação das respectivas coimas.
5- A radical distinção entre pessoas singulares e colectivas justifica, constitucionalmente, que as coimas aplicáveis a estas últimas sejam de montante substancialmente superior às aplicáveis às primeiras.
6- Uma vez que não se está perante uma recusa simples - por parte do fornecedor de bens - em facultar o livro de reclamações ao utente, mas antes perante uma insistência nessa recusa, na presença de uma autoridade policial convocada precisamente para a remover, a norma do artigo 9º, nº 1, alínea a) e nº 3, do Decreto-Lei nº 156/2005, 15 de Setembro enquanto fixa, para as pessoas colectivas, uma coima cujo limite mínimo se situa nos €15.000, para a contra-ordenação prevista pelas disposições conjugadas dos artigos 2º, nº 1, e 3º, nºs 1, alínea b) e 4, todos daquele diploma legal, não viola o principio de proporcionalidade (artigo 18º, nº 2, da Constituição), nem de igualdade (artigo 13º da Constituição) não sendo, por isso, inconstitucional.
7- Termos em que, a conhecer-se do recurso, se deve conceder provimento ao mesmo.» (fls. 230 a 231).
Além disso, pronunciando-se expressamente sobre a questão relativa à possibilidade de conhecimento do objecto do presente recurso, mais expôs, em sede de alegações que:
“2.1. A sentença, proferida no Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, recusou, expressamente, como já anteriormente dissemos, a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, da norma do nº 3 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 156/2005, por força da qual a infracção em causa nos presentes autos seria punível com coima cujo limite mínimo era de 15.000 euros.
Dessa decisão o Ministério Público não interpôs recurso nem para a Relação, nem sequer para o tribunal Constitucional, como lhe competia uma vez que estava perante um recurso obrigatório (artigos 70º, nº 1, alínea a) e 72º, nº 1, alínea a) e 3 da Lei do Tribunal Constitucional).
Obviamente que, sendo-lhe a decisão favorável, a arguida, no recurso para o Tribunal da Relação, não impugnou essa parte da decisão.
O que a arguida questionou foi a constitucionalidade da norma cuja aplicação ocorreu como consequência da recusa de aplicação daquele nº 3 do artigo 9º e que levou à sua condução na coima de 3.500 euros: ou seja, a norma da alínea a) do nº 1 do artigo 9º que, em conjugação com a da alínea b) do nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 156/2005, que fixa uma coima, cujo limite é de 3.500 euros, quando a arguida for uma pessoa colectiva, para a contra-ordenação consistente na não apresentação imediata do livro de reclamações, quando solicitado.
2.2. Pelo exposto, facilmente se constata que a decisão de primeira instância, na parte em que recusou a aplicação da norma em causa por inconstitucionalidade, transitou.
Parece-nos, óbvio, pois, que não integrando tal matéria o objecto do recurso interposto pela arguida para o Tribunal da Relação, este Tribunal não recusou, nem podia sequer recusar, a aplicação dessa mesma norma.
Aliás, a Relação – e bem – nunca se refere à questão do montante mínimo da coima poder ser de 15 000 euros.
2.3. Assim, não tendo a decisão recorrida recusado a aplicação com fundamento em inconstitucionalidade da norma do nº 3 do artigo 9º do Decreto-lei nº 156/2005, falta um dos requisitos de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da LTC, não devendo, consequentemente, dele conhecer-se.
2.4. Diremos, por último, que apenas a arguida poderia ter interposto recurso do Acórdão da Relação para este Tribunal Constitucional. Esse teria de ser um recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70ª da LTC, em que o seu objecto fosse constituído, não pela norma do nº 3 do artigo 9º mas por aquela efectivamente aplicada, em que se fundou a sua condenação e cuja inconstitucionalidade ele suscitara na motivação do recurso para a Relação, como já anteriormente vimos.” (fls. 220 e 221)
4. Devidamente notificada para o efeito, a recorrida deixou expirar o prazo legal, sem que viesse aos autos apresentar qualquer resposta.
Assim sendo, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. Antes de mais, importa averiguar se o objecto do presente recurso pode ser conhecido.
Conforme, aliás, notado pelo próprio Procurador-Geral Adjunto a exercer funções junto do Tribunal Constitucional, o presente recurso vem interposto ao abrigo da alínea a) do artigo 70º, nº 1 da LTC de acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto. Ora, verifica-se que aquele acórdão não desaplicou qualquer norma extraída do n.º 3 do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 156/2005.
Assim sendo, não está preenchido o pressuposto de admissibilidade do presente recurso.
III – Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se não conhecer do objecto do presente recurso.
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Lisboa, 2 de Março de 2011.- Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Gil Galvão.