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Processo n.º 897/10
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal, de 19 de Outubro de 2010, na parte em que julga improcedente reclamação de decisão sumária.
2. Pela Decisão Sumária n.º 31/11, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente. Requisito que não se pode dar por verificado nos presentes autos.
O recorrente pretende a apreciação do artigo 328.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, “quando interpretado no sentido da não aplicação do prazo de 30 dias a todo e qualquer caso em que a audiência de discussão e julgamento em que haja produção de prova oral venha a ser retomada, ainda que por via de recurso”. Todavia, o acórdão recorrido, interpretou aquela disposição legal no sentido de o prazo de 30 dias nela mencionado ter aplicação quando, sendo retomada a audiência de discussão e julgamento, haja lugar à produção da prova. É o que resulta evidente da passagem em que se afirma que o «art. 328º, nº 6, do CPP, ao estatuir que “perde eficácia a produção de prova já realizada” tem apenas em vista as situações em que a produção de prova ainda não foi concluída». Dito de outra forma: o tribunal recorrido interpretou aquela disposição legal no sentido de o prazo de 30 dias não ter aplicação, quando a audiência de julgamento tenha lugar, por via de recurso, para documentação de prova já produzida.
Significa isto que não se pode afirmar que a decisão recorrida tenha aplicado, como ratio decidendi, o n.º 6 do artigo 328.º do Código de Processo Penal, na dimensão interpretativa enunciada pelo recorrente. A não verificação deste requisito do recurso de constitucionalidade obsta ao conhecimento do seu objecto, justificando-se a prolação da presente decisão sumária (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).»
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 78º-A da LTC, concluindo o seguinte:
«1. A decisão de que se recorreu ao afirmar que o n.º 6 do art. 328.º do CPP ao estatuir que “perde eficácia a produção de prova já realizada” tem apenas em vista a produção de prova já realizada” tem apenas em vista as situações em que a produção de prova ainda não foi concluída, quis fundamentar a não aplicação ao caso vertente do prazo de 30 dias previsto naquele dispositivo, pois considerou que a prova oral produzida na audiência de julgamento realizada em 18/05/2005 é que valeu para formar a convicção do tribunal.
2. A repetição de alguns depoimentos inaudíveis a realizar em 07/07/2009 não teria a virtualidade de pôr em causa a convicção que o tribunal formou na anterior audiência, tal repetição valeria apenas para efeitos de gravação de prova, destinada a possibilitar o recurso da decisão sobre matéria de facto por parte do arguido, ora recorrente.
3. Decorre das duas conclusões que precedem que a decisão recorrida foi tirada independentemente da existência de documentação a que alude o art. 363.º do CPP.
4. A questão da constitucionalidade colocada pelo recorrente radica na interpretação que a decisão recorrida fez de que em caso de repetição de prova gravada inaudível, ordenada por via de recurso, essa audiência de retoma de prova se tratar de um mero ritual destinado única e exclusivamente a possibilitar o recurso da decisão sobre matéria de facto por parte do recorrente, sem que seja necessário observar o prazo de 30 dias, previsto no aludido n.º 6 do art. 328.º, entre a audiência de produção de prova oral anterior e a nova audiência onde apenas parte da prova oral produzida iria ser repetida.
5. A ratio decidendi do acórdão do TRC recorrido foi precisamente esta interpretação – a de considerar o aludido preceito inaplicável aos casos de repetição, por via de recurso, de parte da prova oral anteriormente produzida quando indevidamente gravada ou documentada - cuja constitucionalidade foi posta em causa pelo recorrente, no presente recurso de constitucionalidade, por inobservância do art. 32.º n.º 1 da CRP, ao referir que: “o artigo 328.º, n.º 6 do Código de Processo Penal é inconstitucional quando interpretado no sentido da não aplicação do prazo de 30 dias a todo e qualquer caso em que a audiência de discussão e julgamento em que haja produção de prova oral venha a ser retomada, ainda que por via de recurso, por violação do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição”».
4. Notificado da reclamação, o Ministério Público respondeu, concluindo pelo indeferimento da reclamação, com a seguinte argumentação:
«1º
Pela Decisão Sumária nº 31/2011, não se tomou conhecimento do objecto do recurso porque, pretendendo o recorrente ver apreciada a constitucionalidade da norma do artigo 328.º, n.º 6, do CPP, quando interpretada no sentido da não aplicação do prazo de 30 dias a todo e qualquer caso em que a audiência de discussão e julgamento em que haja produção de prova oral venha a ser retomada, ainda que por via de recurso, a norma não tinha sido aplicada na decisão recorrida – o Acórdão da Relação de Coimbra –, naquela dimensão.
2º
Efectivamente, a norma foi interpretada pela Relação em sentido diferente, ou seja, como se diz na Decisão, “de o prazo de 30 dias não ter aplicação, quando a audiência de julgamento tenha lugar, por via de recurso, para documentação da prova já produzida” (sublinhado nosso).
3.º
Na verdade, no Acórdão da Relação que anulara a sentença na altura recorrida, afirmava-se que a anulação se destinava a que fossem colmatadas, em nova audiência, as deficiências da gravação da prova oral e em nova sentença a deficiência relativa ao exame crítico da prova.
4.º
Dizendo-se ainda, expressamente, no acórdão recorrido, que o vício verificado não era relativo à prova produzida, mas à sua documentação, sendo certo que essa deficiência apenas afectava uma parte (o depoimentos de duas testemunhas e esclarecimentos finais prestados pelo arguido e pelo assistente).
5.º
Parece-nos, pois, claro que, mostrando-se a produção da prova concluída, não se poderá falar em retomá-la, como diz o recorrente quando enuncia a interpretação que sujeita à apreciação do Tribunal Constitucional».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Nos presentes autos foi proferida decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade interposto, com fundamento na não aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja apreciação foi requerida. O recorrente requereu a apreciação do artigo 328.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, “quando interpretado no sentido da não aplicação do prazo de 30 dias a todo e qualquer caso em que a audiência de discussão e julgamento em que haja produção de prova oral venha a ser retomada, ainda que por via de recurso”. E a decisão reclamada concluiu que o tribunal recorrido havia interpretado aquele preceito do Código de Processo Penal “no sentido de o prazo de 30 dias não ter aplicação, quando a audiência de julgamento tenha lugar, por via de recurso, para documentação de prova já produzida”.
Com a presente reclamação o recorrente pretende demonstrar que o Tribunal da Relação de Coimbra não fez esta interpretação. Argumenta, porém, no sentido de ter sido precisamente esta a interpretação feita pelo tribunal recorrido, quando conclui que, no caso, a prova já havia sido produzida (na audiência de julgamento de 18/05/2005), tendo havido a “repetição de alguns depoimentos inaudíveis”, em 07/07/2009, “apenas para efeitos de gravação da prova destinada a possibilitar o recurso da decisão sobre matéria de facto”, ou seja, para o efeito de ser documentada.
Diferentemente do que parece pressupor o reclamante, a documentação da prova faz-se através de gravação (artigos 363.º e 364.º do Código de Processo Penal). Por outro lado, quando a audiência de julgamento venha a ter lugar com a finalidade de ser documentada prova produzida em audiência anterior, não se retoma a audiência, uma vez que a prova já foi toda ela produzida. Ora, foi isto o que sucedeu nos presentes autos na sequência de decisão tirada em sede de recurso: não se retomou a audiência para produção de prova oral, porque a mesma já havia sido produzida.
Há que confirmar, pois, que o tribunal recorrido não aplicou, como razão de decidir, a norma cuja apreciação foi requerida pelo recorrente.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 23 de Fevereiro de 2011.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão.