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Processo n.º 19/11
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho do Vice-Presidente daquele Tribunal, de 7 de Dezembro de 2010.
2. Pela Decisão Sumária n..º 96/2011, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente. Requisito que não se pode dar como verificado nos presentes autos.
É manifesto que o Tribunal da Relação de Évora não aplicou, como razão de decidir, qualquer norma extraída do artigo 40.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, o qual versa sobre prescrição, uma vez que o objecto da reclamação tinha a ver, estritamente, com a admissibilidade do recurso interposto do despacho de 11 de Maio de 2010.
A não verificação deste requisito do recurso de constitucionalidade obsta ao conhecimento do objecto do recurso, nesta parte, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, nº. 1, da LTC).
2. O recorrente pretende também a apreciação da conformidade constitucional do artigo 73.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.
De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, perante o tribunal recorrido.
Sucede, porém, que, perante o Tribunal da Relação de Évora, não foi questionada a conformidade constitucional daquela disposição legal. Foi questionada apenas a constitucionalidade de determinada interpretação do artigo 73.º do Regime Geral das Contra-Ordenações. Ou seja, a «interpretação restritiva dada pelo tribunal “a quo” ao artº 73º», como se lê no ponto 11 da reclamação de 30 de Junho de 2010.
Não se podendo dar por verificado o requisito da suscitação prévia, não há que tomar conhecimento do objecto do recurso interposto, justificando-se, também nesta parte, a prolação de decisão sumária (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC)».
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, invocando os seguintes argumentos:
«1- Quanto ao ponto 1 da decisão (págs. 3), invocou-se a inconstitucionalidade da norma prescricional face a outras, na motivação de recurso, sendo que, considerando-se tal pelo TRE, tal implicaria o não julgamento do mesmo, pois sendo a prescrição uma excepção peremptória tal importa a absolvição total do pedido (artº 493º nº 3 e 496º do CPC).
2- Como o tribunal “a quo” não admitiu o recurso, o que originou reclamação para o Presidente do TRE e este, por sua vez, não analisou e decidiu tal questão à qual estava obrigado (artº 668º nº 1 al. d) do CPC), temos que a (não) aplicação de tal norma se configura como “ratio decidendi”, pois se tivesse julgado tal questão, e pelo exposto em 1 supra, tal decidiria tudo.
3- Quanto ao ponto 2 da decisão (pág. 3 e 4), a inconstitucionalidade da norma foi questionada nos mesmos moldes ou seja, perante (sic) o TRE e sendo que se invocou a inconstitucionalidade da norma “tout court” e não apenas (sic) a sua interpretação restritiva, pois esta foi o tribunal que a fez, o que tanto basta para que o TC a sindicalize, como jurisprudência sua é (cfr. v.g. Ac. proferido no P. 938/08- (2) e (3)».
4. O Ministério Público respondeu, aduzindo argumentação no seguinte sentido:
«1º
Pela Decisão Sumária n.º 96/2011 não se conheceu do objecto do recurso no que respeita às duas questões de constitucionalidade colocadas pelo recorrente: uma relacionada com o artigo 40.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, outra com o artigo 73.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO).
2º
Sendo a decisão recorrida a proferida pelo Senhor Vice-Presidente da Relação de Évora que indeferiu a reclamação do douto despacho que, na 1.ª instância, não admitiu o recurso, ele não aplicou nem podia aplicar a norma do artigo 40.º da Lei n.º 50/2006, uma vez que apenas as normas que diziam respeito à admissibilidade do recurso, eram susceptíveis de ser aplicadas, o que não é o caso daquele artigo 40.º que fixa o regime de prescrição aplicável ás contra-ordenações previstas no diploma.
3.º
Quanto ao artigo 73.º do RGCO na reclamação para o Senhor Presidente da Relação de Évora, a recorrente afirma que a interpretação restritiva dada pelo tribunal “a quo” daquele artigo era inconstitucional.
4.º
Ora, ali não se identifica de forma minimamente clara qual a exacta interpretação restritiva, reputada de inconstitucional.
5.º
Por outro lado, no requerimento de interposição do recurso, a recorrente menciona o artigo 73.º não fazendo referência a qualquer interpretação restritiva, obviamente continuando a não especificar de que interpretação se trata.
6.º
Na reclamação agora apresentada, limita-se a repetir que suscitou as questões, afirmando, quanto à norma do artigo 73.º que invocou a inconstitucionalidade “tout court”, o que, como vimos, não é exacto.
7.º
De qualquer forma, mesmo que o fosse, vendo a decisão recorrida facilmente se constata que o artigo 73º não foi aplicado na sua globalidade, mas sim numa específica e determinada interpretação, nunca identificada pelo recorrente.
8.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objecto do recurso na parte em que este se referia ao artigo 40.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, por não se poder dar como verificado o requisito da aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, de qualquer norma extraída de tal preceito legal.
Com efeito, como o objecto da reclamação tinha a ver estritamente com a questão da admissibilidade do recurso interposto do despacho de 11 de Maio de 2010, não foi aplicada, como razão de decidir, qualquer norma em matéria de prescrição, ou seja, extraída do artigo 40.º daquela lei. E da reclamação resulta precisamente o que foi invocado na decisão reclamada, uma vez que o reclamante reconhece que o Presidente do TRE não analisou e decidiu a questão da prescrição.
2. Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objecto do recurso na parte em que este se referia ao artigo 73.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, por não se poder dar como verificado o requisito da suscitação prévia da questão de constitucionalidade.
Para contrariar este entendimento o reclamante argumenta que suscitou previamente a inconstitucionalidade do aludido preceito legal tout court e não apenas uma sua interpretação restritiva. Não o demonstra, porém. Sendo certo que se lê no ponto 11 da reclamação de 30 de Junho que “a interpretação restritiva dada pelo tribunal “a quo” ao art.º 73.º, impedindo recurso do despacho posterior à sentença que é tanto ou mais gravoso que esta, o torna inconstitucional por violação dos art.ºs 18.º n.º 2 e 3, art.º 20.º n.º 1, 4 e 5 e 32.º n.º 10 da CRP”. Por outro lado, a invocação do Acórdão n.º 6/2009 (processo n.º 938/08, disponível em www.tribunalconstitucional.pt) em nada conforta a argumentação do recorrente, uma vez que este aresto confirma decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso interposto, por não ter havido suscitação prévia de uma questão de inconstitucionalidade normativa.
Em face de tudo o que ficou dito, não se vislumbra razão bastante para inverter os juízos firmados na decisão sumária ora reclamada, que assim deve ser confirmada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 2 de Março de 2011.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão.