Imprimir acórdão
Processo n.º 103/11
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, A. e outros reclamam, em 15 de Junho de 2009 (fls. 73 a 77), para o “Venerando Juiz Conselheiro Presidente, ao abrigo do disposto nos artigos 688º e 689º do Código de Processo Civil” (sic, a fls. 73), do despacho proferido pelo Juiz do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Marco de Canavezes, em 28 de Maio de 2009 (fls. 60 a 62), que rejeitou recurso de constitucionalidade interposto, por B. e C., em 30 de Março de 2009 (fls. 20 a 22), relativamente a despacho proferido pelo mesmo Juiz, em 28 de Janeiro de 2009 (fls. 14), nos termos do qual foi deferida realização de perícia singular.
Após despacho proferido em 28 de Outubro de 2010 (fls. 83) e mediante ofício datado de 2 de Dezembro de 2010 (fls. 64), a Secretaria do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Marco de Canavezes fez subir os autos ao Tribunal da Relação do Porto. Por despacho do respectivo Presidente, proferido em 9 de Dezembro de 2010 (fls. 66), o Tribunal da Relação do Porto declarou a sua incompetência para apreciar o recurso de constitucionalidade, ordenando a imediata baixa dos autos. Por fim, através de ofício datado de 4 de Fevereiro de 2011 (fls. 84), a Secretaria do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Marco de Canavezes fez subir os autos ao Tribunal Constitucional.
2. Os referidos recorrentes apresentaram a seguinte reclamação, cujos termos ora se resumem:
“1º
A Autora atribuiu à presente acção instaurada no ano de 2002 um valor que fica sob a alçada exclusiva do Tribunal de 1ª Instância, tendo-se mantido inalterado, pelo que qualquer decisão não é susceptível de recurso ordinário;
2º
A Autora requereu, após a produção da prova testemunhal, a junção de um documento intitulado «avaliação» que os Réus consideram inócuo e irrelevante para a matéria em causa;
3º
Os Réus, ora reclamantes, não puseram em causa a genuidade do documento;
4º
Contudo, a Autora, após a tomada de posição dos Réus, veio, ao abrigo do disposto no artigo 545º do Código de Processo Civil, requerer a prova pericial para avaliação dos prédios partilhados constantes da «avaliação » apresentada;
5º
Ora, face ao documento particular apresentado e, cuja genuidade não foi posta em causa pelos Réus, esgotou-se o poder da Autora em requerer mais prova e, especialmente, quanto a tal documento, já que esta não respeita à genuidade do documento particular apresentado, mas sim quanto ao valor dos prédios, sendo certo que o valor probatório do documento fica sujeito ao critério legal de apreciação das provas;
6 º
A Autora, a pretexto de um documento particular que apresentou e ao abrigo de uma disposição legal que permite apenas a produção de prova sobre a genuidade do documento — artigo 545º do Código de Processo Civil — veio requerer uma prova totalmente inovadora, já que nada tem a ver com a genuidade do documento;
7º
A interpretação efectuada pela Autora quanto ao disposto no artigo 545º do Código de Processo Civil “em desespero de causa, e apesar de saber que o valor dos prédio partilhados é irrelevante em função do pedido formulado, como resulta da jurisprudência, implica a sua inconstitucionalidade por violar o princípio da defesa, da segurança e confiança jurídicas dos Réus e, consequentemente, o disposto nos artigos 2º e 32º da Constituição, o que, por mera cautela, se invoca “;
8º
Os Réus, ora reclamantes suscitaram, pois, a inconstitucionalidade do disposto no artigo 545º do Código de Processo Civil, atentos o aproveitamento e a interpretação que a Autora dele fez, invocando-o, para a partir daí peticionar, sem fundamento na sua letra e no seu espírito, a perícia que nunca ousou requerer anteriormente, inclusive, quando juntou tal documento intitulado avaliação;
9º
Na verdade, as disposições legais terão de ser interpretadas de acordo com a sua letra e razão de ser por só assim se poder atingir e observar a certeza e segurança jurídicas; as leis são objecto de sindicância constitucional em função da interpretação e aplicação que dela se faz;
10º
No caso em apreço, o documento «avaliação» esgota por si todas as suas virtualidades e poder probatório no que contém, não podendo a parte que o ofereceu utilizar o disposto no artigo 545º do Código de Processo Civil para numa interpretação totalmente enviesada e desajustada e por isso descabida, requerer uma prova inovadora.
A Autora sempre dispôs de outros meios para atingir os seus fins, mas no plano jurídico há regras e normas que não se podem ultrapassar sob pena de se cair no campo do aleatório;
11º
Ora, a inconstitucionalidade de tal disposição legal deriva da interpretação que a Autora faz e da posição do Tribunal que se alicerçou no pedido da Autora em desvio dos princípios constitucionais que informam o nosso sistema jurídico.
Os Réus, e ora reclamantes, logo que tiveram conhecimento da pretensão da Autora com base no citado artigo 545º do Código de Processo Civil invocaram que tal interpretação envolvia a sua inconstitucionalidade por ofensa dos princípios da segurança, da confiança e da boa fé e em particular, “o princípio da confiança na previsibilidade do direito como forma de orientação da vida e da garantia da defesa “ consagrados nos artigos 2º, 20º e 32º da Constituição;
12º
E como se refere no douto Acórdão n 31/88 desse Venerando Tribunal “insere-se nos cânones da arguição da inconstitucionalidade de uma norma servindo de pressuposto do respectivo recurso, dizer-se que uma norma na interpretação que lhe foi dada na decisão recorrida, afronta a Lei Fundamental“.
Os ora reclamantes tomaram posição, logo que invocado o artigo 545º do Código de Processo Civil como norma fundamento da pretendida perícia;
13º
E daí que não colha a posição da Autora a fls. 461 dos autos porque o que está em causa é a aplicação de norma, cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo — artigo 70º, nº 1, alínea b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro e não, como refere indevidamente, “que recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade”.
E o Tribunal “a quo”, face ao requerido pela Autora, ordenou a perícia pretendida e entende que não foi suscitada a inconstitucionalidade do artigo 545º do Código de Processo Civil, mas salvo o devido respeito, sem razão.
Por isso não admitiu o recurso interposto e daí a presente reclamação.
14º
Violou-se, pois, o disposto nos artigos 545º do Código de Processo Civil e 2º, 20º e 32º da Constituição e 70º, nº 1, alínea b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.” (fls. 73 a 77).
3. Em sede de vista, o Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação ora em apreço, pugnando pela ausência de suscitação processualmente adequada da questão de inconstitucionalidade normativa (fls. 88 a 95).
Cumpre agora apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Quanto à reclamação sufraga-se integralmente o entendimento plasmado no despacho reclamado.
Efectivamente, tratando-se de um recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, os ora reclamantes encontravam-se sujeitos ao ónus de prévia suscitação da inconstitucionalidade de norma jurídica extraída do artigo 545º do CPC, isto é, em momento anterior ao da prolação da decisão de deferimento da realização da perícia singular, em 28 de Janeiro de 2009 (fls. 14). Com efeito, apesar de tal decisão ter sido antecedida de requerimento da ora reclamada, entregue nos autos recorridos em 19 de Janeiro de 2009 (fls. 9), expressamente interposto ao abrigo do artigo 545º do CPC, os reclamantes nunca invocaram a respectiva inconstitucionalidade, em momento anterior ao da prolação da decisão recorrida. Apenas consta da decisão de 29 de Janeiro de 2009 (fls. 14) que: “Os Réus pronunciaram-se no sentido de ser indeferida a referida perícia por extemporânea”, ou seja, limitaram-se a alegar a extemporaneidade do pedido.
E nem sequer se poderia dizer que tal suscitação ocorreu em sede de requerimento de arguição de nulidade daquela decisão, deduzido em 9 de Fevereiro de 2009, na medida em que, em tal momento, nas circunstâncias do caso, sempre seria irrelevante.
Em conclusão, confirma-se a decisão reclamada.
III – Decisão
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro, por cada um.
Lisboa, 03 de Março de 2011.- Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Gil Galvão.