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Processo n.º 668/10
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, foi proferido o Acórdão n.º 415/2010 com o seguinte teor:
« I - Relatório
1. Nos presentes autos, A. reclama (fls. 371 a 385), para a conferência prevista no n.º 3 do artigo 78º-A da LTC, do despacho proferido pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 22 de Julho de 2010 (fls. 342 e 342-verso), nos termos do qual foi decidida a não admissão de recurso de constitucionalidade, para efeitos de apreciação de interpretação normativa extraída dos n.ºs 1 e 2 do artigo 129º do Código de Processo Civil (CPC), “quando interpretad[o]s no sentido em que foram interpretadas (…), em que tendo o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator, alvo do pedido de «INCIDENTE DE SUSPEIÇÃO» exarado parecer, que pugna pela intempestividade da arguição do «INCIDENTE DE SUSPEIÇÃO», especialmente por falta de prova da superveniência do conhecimento do alegado fundamento da «inimizade grave», entre outros fundamentos, sem que tenha sido ouvida a posição dos outros Senhores Conselheiros objecto do «INCIDENTE DE SUSPEIÇÃO» por «inimizade grave», e muito menos ordenado a produção de prova requerida, foi proferida decisão, sem que previamente tenha sido dada oportunidade, à ora Requerente, de tomar posição sobre a perspectiva do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator, alvo do pedido de «INCIDENTE DE SUSPEIÇÃO»” (cfr. fls. 338).
Através do despacho ora reclamado, entendeu-se que o recurso de constitucionalidade não era admissível, pelo que se rejeitou a sua subida, com fundamento na falta de suscitação prévia e adequada da questão de inconstitucionalidade normativa a apreciar (fls. 342 e 342-verso).
2. O recorrente apresentou a seguinte reclamação, cujos termos ora se resumem:
“1.º
A Requerente, ora Reclamante, apresentou em 11/02/2009, no Venerando Supremo Tribunal e Justiça, um requerimento a “OPOR INCIDENTE DE SUSPEIÇÃO”, ao abrigo do previsto na alínea g) do n.º 1 do artigo 127. ° do Código de Processo Civil (CPC), contra os Venerandos Senhores Juízes Conselheiros, Dr. José Ferreira de Sousa, Dr. João Mendonça Pires de Sousa, e Dr. Custódio Pinto Montes, dirigido ao Venerando Senhor Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
2.º
Com data de 26/03/2010, é expedida carta a notificar, a ora Reclamante da decisão final proferida pelo Venerando Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, acompanhada da resposta de um dos Exmos. Senhores Juiz Conselheiros, alvos do “INCIDENTE DE SUSPEIÇÃO”.
Sendo que,
3.º
Em 15/04/2010, a ora Reclamante enviou ao Venerando Supremo Tribunal de Justiça, um requerimento a REQUERER A NULIDADE DA DECISÃO PROFERIDA, basicamente por não ter sido previamente notificada, da resposta que foi feita por um dos Senhores Juízes Conselheiros, alvo do “INCIDENTE DE SUSPEITA”.
Contudo,
4.º
Tal resposta devia ter sido notificada à ora Reclamante, antes de ter sido proferida a decisão final por parte do Venerando Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, para que, esta pudesse exercer o direito do contraditório.
Sendo que,
5.º
O direito ao contraditório, é um dos princípios básicos do direito, e do acesso aos Tribunais, que se encontra consagrado quer na Constituição da República Portuguesa (CRP), que se encontra no respectivo Código de Processo Civil (CPC), e têm sido já alvo de diversas decisões do Tribunal Constitucional, do próprio Supremo Tribunal de Justiça, e inclusive do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), que já por diversas vezes condenou o Estado Português por causa de decisões proferidas, como a que aqui se encontra em causa.
Mas mais,
6.º
No requerimento em crise, requeria-se ainda, que, fosse ordenada a baixa do processo à respectiva secção, no sentido de querendo os outros Venerandos Senhores Juízes Conselheiros alvos do “INCIDENTE DE SUSPEITA”, responderem, nos termos do prescrito no n.º 1 do art.° 129.° do Código de Processo Civil.
E ainda,
7.º
Para que, fosse ordenado a remessa do processo ao Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Substituto, no sentido de ser dado cumprimento ao prescrito no n.º 2 do art.° 129. ° do Código e Processo Civil
E, por fim,
8.°
Após cumpridas todas essas formalidades legais, fosse ainda ordenado a respectiva inquirição das testemunhas arroladas, pelo Venerando Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
Contudo,
9.º
Em 14/06/2010 é expedida carta, a notificar a ora Reclamante do despacho proferido pelo Venerando Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, a indeferir o requerido.
10.º
Em 28/06/2010, a ora Reclamante, interpõe recurso para o Venerando Tribunal Constitucional, que aqui se transcreve:
(…)
11º
Por despacho proferido em 22/07/2010, o Venerando Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, indefere o requerimento de interposição de recurso para esse Venerando Tribunal Constitucional, com os seguintes fundamentos:
“(…)
Não se admite o recurso interposto, agora, para o Tribunal Constitucional pela requerente A. do despacho proferido a fls. 241 (e não 291 como por lapso, se diz a fls. 333).
Tal despacho indeferiu o incidente de suspeição arguido por aquela requerente.
Não se admite o presente recurso porque a requerente A. não invocou previamente a inconstitucionalidade das normas que justificaram o nosso despacho de indeferimento, a saber:
a) o incidente de suspeição foi deduzido extemporaneamente porque a presente acção já estava julgada, em manifesta violação do art.° 128º e segs. do CPC, ou seja quando a requerente arguiu a suspeição já o processo estava decidido em recurso no STJ;
b) Jamais a recorrente invocou a inconstitucionalidade daquelas normas que, como é natural, estabelecem prazos preliminares na tramitação procedimental de uma acção;
c) Em segundo lugar, o incidente foi deduzido apenas e tão-só porque os juízes do STJ julgaram contra as pretensões da recorrente, nisso se traduzindo a respectiva ‘inimizade grave”
Ora, jamais a recorrente invocou a /inconstitucionalidade do principio segundo o qual juiz que julga contra uma parte é suspeito porque é inimigo dela.
x x x
x x x
Termos em que se não recebe o recurso referido
Notifique.”
Ora,
12º
Salvo o devido respeito, que é muito, pela douta decisão proferida pelo Venerando Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, a mesma não corresponde à verdade dos factos, muito menos podia a ora Recorrente, no seu entendimento, prever que no Supremo Tribunal de Justiça, pudesse ocorrer uma qualquer violação dos princípios constitucionais do contraditório, do processo equitativo, do principio da igualdade, da proibição da indefesa, do acesso aos tribunais, de queixa para defesa dos seus direitos, integrantes dos princípios do Estado do Direito Democrático e consagrados nos artigos 2º, 3º, nº 2, 9º, alínea b), 13º, 18º 20º nº 1 e 4.
E ainda,
13º
O prescrito no art.° 3. ° Código de Processo Civil.
Bem como,
14°
O prescrito, no art.° 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH),
Assim sendo,
15º
Como poderia a ora Reclamante, ir desde logo invocar a inconstitucionalidade das normas, que no seu entender, e salvo o devido respeito, entende terem sido violadas, se jamais poderia prever, que num estado de direito democrático, pudesse ser decidida uma causa, sem se pronunciar o direito de exercício do contraditório a uma das partes.
Aliás,
16º
A ora Reclamante, no requerimento que dirigiu ao Venerando Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em 15/04/2010 onde requeria a NULIDADE DA DECISÃO PROFERIDA, invocou a inconstitucionalidade do acto praticado, salvo o devido respeito que é muito, por outra opinião.
É certo, que,
17º
Existem diversos Acórdãos do Tribunal Constitucional decidindo que a inconstitucionalidade das normas têm de ser previamente arguidas.
Contudo,
18º
Não se trata de decisões proferidas em casos, como o que se encontra em análise, na presente reclamação, sempre salvo o devido respeito, que é muito, por outra douta decisão.
Aliás,
19º
O presente caso assemelha-se aquele que foi analisado no Acórdão n.º 115/2007, proferido pelo Tribunal Constitucional, que se encontra publicado, em Diário da República na II Série n.º 51 — 13 de Março de 2007.
Sendo que,
20º
Em tal decisão do Tribunal Constitucional, foi decidido admitir a interposição do recurso nos termos da alínea b) do nº 1 do art.° 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
E,
21º
A ora Reclamante, no requerimento que dirigiu ao Venerando Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em 15/04/2010, onde requeria a NULIDADE DA DECISÃO PROFERIDA, invocou essa decisão, assim como outras proferidas pelo Suprem Tribunal de Justiça, ainda que sem resultados práticos.
Pelo que,
(…)
23º
O Venerando Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, vem argumentar para indeferir a interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, com o facto de “supostamente”, estando já julgada a acção pelo Supremo Tribunal, o incidente suscitado é extemporâneo.
Ora,
24º
Esse não é o entendimento da ora Reclamante, sendo certo que, foi proferido um primeiro Acórdão, e alguns posteriores a corrigir lapsos do primeiro.
Contudo,
25º
Não é menos certo que, a ora Reclamante ficou, entretanto, sem advogado, e que teve de esperar mais de meio ano, que o Estado lhe nomeasse um Patrono Oficioso, e que, foi requerida a NULIDADE dos acórdãos proferidos em 21/04/2008 e 18/06/2008, e que caso assim não se entendesse, foi requerido a “ACLARAÇÃO E RECTIFICAÇÃO DO ERRO MATERIAL”, do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, e que essa decisão, salvo o devido respeito que é muito, ainda não transitou em julgado.
Sendo que,
26º
Para além da não invocada inconstitucionalidade preliminarmente, que já foi devidamente tratada, o Venerando Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, refere que o incidente só terá sido deduzido porque os Senhores Juízes terão julgado contra as pretensões da ora Reclamante.
Ora,
27º
Salvo devido respeito, que é muito, o mesmo não corresponde à verdade factual, e no entender da Reclamante o Venerando Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, devia estar já devidamente elucidado dos factos que levaram a que fosse deduzido, o “INCIDENTE DE SUSPEIÇÃO”, não só pelo facto de ter lido o requerimento com a devida atenção, e isenção, como pelo facto de ser, por inerência, Presidente do Conselho Superior da Magistratura. (…)” (fls. 372 a 385).
3. Em sede de vista, o Procurador-Geral-Adjunto neste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação ora em apreço, nos seguintes termos:
“1. O incidente de recusa em causa foi, por decisão do Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, considerado intempestivo, porque deduzido para além dos prazos previstos no artigo 128.º do Código de Processo Civil.
2. Ora, a requerente, nunca suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa relacionada com aquele artigo 128.º, nem sequer na arguição de nulidade da douta decisão do Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça atrás referida, onde apenas adianta algumas razões que, na sua opinião, justificariam o ter agido para além do prazo.
3. A decisão do Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça também indeferiu o incidente porque, atendendo à argumentação da requerente, não se justificava a procedência da suspeição, acrescentando que “caso contrário, toda a decisão desfavorável incorporava em si uma inimizade para a parte a quem a decisão era desfavorável”.
4. Ora, a recorrente nunca suscitou a inconstitucionalidade de tal interpretação, que o Tribunal Constitucional, tendo em atenção as suas competências no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, tem de aceitar.
5. Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.
6. Poderíamos ainda acrescentar que não estando previsto na lei (artigo 129.º do Código de Processo Civil) que o recorrente do incidente seja notificado do que diz o juiz “alvo do pedido de incidente de suspeição”, a constitucionalidade dessa norma nessa interpretação – a que a recorrente apenas alude no requerimento de interposição do recurso - nunca foi por ela suscitada, tendo, obviamente, disposto de plena oportunidade processual para o fazer.” (fls. 398 e 399)
Cumpre agora apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Em primeiro lugar, importa frisar que o recurso interposto – e alvo de despacho de não admissão – apenas visa a apreciação da alegada inconstitucionalidade de uma interpretação normativa extraída dos n.ºs 1 e 2 do artigo 129º do CPC.
Dito isto, note-se que a reclamante nunca suscitou qualquer incidente de fiscalização da constitucionalidade daquela interpretação normativa, seja no requerimento de arguição de nulidade do despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, entregue em 15 de Abril de 2010, seja em qualquer outro requerimento apresentado nos presentes autos. Aliás, é a própria reclamante quem admite, expressamente, essa falta de suscitação da questão de inconstitucionalidade normativa em discussão nos presentes autos, já que vem alegar que não o fez porque a decisão tomada pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça – ao não notificá-la para responder à pronúncia de um dos juízes alvo de suspeição – configura uma decisão-surpresa, visto que “jamais poderia prever, que num estado de direito democrático, pudesse ser decidida uma causa, sem se pronunciar o direito de exercício do contraditório a uma das partes” (cfr. artigo 15º da reclamação, já supra transcrito).
Vejamos então se é possível discernir alguma natureza surpreendente naquela decisão, de modo a justificar uma eventual dispensa do ónus de prévia e adequada suscitação da inconstitucionalidade.
É certo que este Tribunal já admitiu a possibilidade de dispensa, a título excepcional, da invocação prévia da inconstitucionalidade de normas aplicadas por decisões dos tribunais comuns, sempre que não for processualmente exigida ao recorrente a previsão de aplicação da norma ou da interpretação normativa efectivamente aplicada. Note-se, contudo, que tal só sucede quando a aplicação da norma ou da interpretação normativa seja objectivamente imprevisível ou insólita (cfr., a título de exemplo, Acórdãos n.ºs 394/2005 e 120/2002).
A natureza imprevisível, surpreendente ou insólita da norma ou interpretação normativa efectivamente aplicada depende, todavia, do preenchimento de um grau reforçado de diligência do recorrente. Este grau de diligência implica uma antecipação das diversas soluções jurídicas potencialmente aplicáveis ao litígio controvertido, devendo precaver-se contra a adopção de soluções que, ainda que minoritárias, possam ser configuradas como objectivamente admissíveis face à letra da lei. Só no caso de não ter sido possível antecipar a aplicação de norma ou interpretação normativa contrária à Constituição – sendo esta possibilidade sempre aferida de modo objectivo – é que será admissível a dispensa de suscitação prévia da inconstitucionalidade (neste sentido, cfr., entre outros, Acórdãos n.ºs 489/94 e 479/89).
Ora, no caso em apreço, o reclamante, tendo interposto recurso do despacho que decidiu sobre a alegada nulidade processual, dispôs da oportunidade de suscitar a inconstitucionalidade dos artigos 129º, nºs 1 e 2 do CPC. Porém, não o fez.
Aliás, a confirmar essa oportunidade está o facto de que o reclamante vem arguir a inconstitucionalidade de um outro preceito.
Perante isto, na medida em que não estava dispensada da prévia e adequada suscitação da inconstitucionalidade que ora pretende ver apreciada, mais não resta que reafirmar o entendimento já expresso pelo despacho de rejeição do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, já que a reclamante não cumpriu, de modo adequado, aquele ónus processual (artigo 72º, n.º 2, da LTC).
III – Decisão
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.»
2. Alegando ter dúvidas quanto ao sentido decisório constante da referida decisão sumária, a recorrente veio solicitar a sua aclaração, nos seguintes termos:
“A Reclamante, não consegue conceber, muito menos entender, salvo o devido respeito, que é muito, pela douta decisão, em que requerimento a interpor recurso deveria ter ido suscitar a inconstitucionalidade dos artigos 129°, n.º s 1 e 2 do C.P.C, que quer ver apreciadas por esse Venerando Tribunal.
Aliás, como vem referido na decisão proferida esse Venerando Tribunal Constitucional, o Tribunal “já admitiu a possibilidade de dispensa, a titulo excepcional, da invocação prévia da inconstitucionalidade de normas aplicadas por decisões dos tribunais comuns, sempre que não for processualmente exigida ao recorrente a previsão de aplicação da norma ou da Interpretação normativa efectivamente aplicada. (...)“
Mas mais, é jurisprudência igualmente fixada por esse Venerando Tribunal Constitucional, que não é nos requerimentos a REQUERER A NULIDADE de decisões já proferidas pelos Tribunais comuns, que deve ser suscitado o incidente de fiscalização da inconstitucionalidade das normas em questão.
Pelo que e sempre salvo o devido respeito, que é muito, a Reclamante vem REQUERER a esse Venerando Tribunal Constitucional, que venha ACLARAR a decisão proferida no sentido de ser esclarecido em que peça processual, deveria ter sido efectivamente suscitado o incidente de fiscalização da inconstitucionalidade das normas em questão.
É que, como foi alegado no requerimento de interposição de recurso, não é concebível, muito menos teria sido possível prever que o Venerando Exmo. Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, pudesse decidir uma causa, em violação dos princípios constitucionais do contraditório, do processo equitativo do principio da igualdade, da proibição da indefesa, do acesso aos tribunais, de queixa em defesa dos seus direitos, integrantes dos princípios do Estado de Direito Democrático consagrados nos artigos 2.°, 3.°, nº 2, 9º alínea b) 13.°. 18.°, 20.°. n.º 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), e ainda o nº 1 do artigo 6.°da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), (sublinhado o nosso)
Assim, e para que não possam restar quaisquer dúvidas futuras, e, dado que, a Reclamante, conhece bem a forma, como o Estado Português se tenta, posteriormente, defender junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), onde será obviamente apresentada pela Reclamante a competente Queixa, pois, sobre tal assunto já existem decisões contra o Estado Português, vem multo respeitosamente REQUERER A ACLARAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA.” (fls. 416 e 417)
3. Notificado do requerimento, o Ministério Público pronunciou-se nos seguintes termos:
“1º
O pedido de aclaração formulado carece de fundamento já que a decisão que indeferiu a reclamação (Acórdão nº 415/2010) é perfeitamente claro e insusceptível de dúvida, não padecendo de qualquer obscuridade.
2º
Efectivamente, quanto à “dúvida” colocada, diz-se naquele Acórdão que o reclamante nunca suscitou a questão de inconstitucionalidade que pretende ver apreciada,”seja no requerimento de arguição de nulidade do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (…) seja em qualquer outro requerimento apresentado nos presentes autos”.”
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Em primeiro lugar, importa notar que a coberto de um alegado pedido de aclaração, o que a recorrente pretende é questionar o próprio sentido do acórdão proferido. Isto porque, conforme resulta inequivocamente, para qualquer destinatário medianamente informado, o acórdão é claro e perceptível, não suscitando dúvidas objectivas quanto ao seu sentido.
Com efeito, a recorrente alega que o acórdão não é esclarecedor quanto à determinação da peça processual em que deveria ter suscitado a questão de inconstitucionalidade.
Ora, resulta por demais evidente do acórdão proferido que aquele aderiu à jurisprudência unânime do Tribunal Constitucional (a mero título de exemplo, foram referenciados os Acórdãos n.º 394/2005 e n.º 120/2002, ambos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), segundo a qual uma decisão jurisdicional apenas será qualificada como “decisão-surpresa” – e, como tal, poderá dispensar o dever de prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade – quando a aplicação de determinada norma ou interpretação normativa seja objectivamente imprevisível ou insólita. Tendo, porém, sido esclarecido que cabia à recorrente antecipar as diversas soluções jurídicas em presença (ainda que minoritárias), em momento anterior à tomada de decisão sobre o incidente de suspeição.
Deste modo, não se compreende que a recorrente venha agora alegar que o acórdão é obscuro quanto ao momento processual em que aquela deveria ter suscitado a questão de inconstitucionalidade. Como é evidente, o que sucede é que a recorrente discorda da fundamentação do acórdão recorrido, pois entende que não recairia sobre si o dever processual de antecipar a aplicação da interpretação normativa cuja inconstitucionalidade pretendia ver agora apreciada pelo Tribunal Constitucional. Porém, tal discordância não justifica qualquer pedido de aclaração, pois o acórdão não padece de qualquer obscuridade ou ambiguidade, sendo antes esclarecedor quanto ao ónus que sobre si impendia, no momento em que deduziu o incidente de suspeição.
Em suma, a decisão proferida é clara, pelo que nada resta por esclarecer.
III – Decisão
Pelos fundamentos supra expostos, decide-se indeferir o presente pedido de aclaração
Custas devidas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Lisboa, 01 de Fevereiro de 2011.- Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Gil Galvão.