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Processo n.º 709/2010
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. O Instituto de Investigação Científica e Tropical reclamou, ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 76.º da Lei nº 28/82 (LTC), do despacho proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que lhe não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, com o fundamento segundo o qual, por a “alegada inconstitucionalidade [ter sido] apenas invocada em sede de contra-alegações”, não se achava o Tribunal da Relação obrigado a, sobre ela, se pronunciar, sendo, como é, o objecto do recurso sempre delimitado pelas alegações do recorrente.
Sustentou basicamente o Instituto de Investigação Científica e Tropical, na sua reclamação, que as contra-alegações [apresentadas em recurso de agravo de despacho proferido pela 1ª instância que considerara inadmissível, em uma acção de despejo, articulado superveniente apresentado pelo autor da referida acção] são ainda momento idóneo para a suscitação da questão da constitucionalidade, de acordo com o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 290.º da CRP e na alínea b) do nº 1 do artigo 70.º da LTC.
No Tribunal Constitucional, o Exmo. representante do Ministério Público, pronunciando-se sobre a reclamação, veio dizer que, não obstante dever entender-se que a questão de constitucionalidade fora suscitada em momento processual próprio, subsistia ainda um outro motivo para o Tribunal não pudesse conhecer do objecto do recurso, motivo esse decorrente da não identidade entre a norma cuja constitucionalidade se pediria que o Tribunal apreciasse e a norma que fora efectivamente aplicada pela decisão recorrida.
II – Fundamentação
2. No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, o recorrente, ora reclamante, delimita assim a “norma” cuja constitucionalidade pede que o Tribunal aprecie, e que constitui, portanto, objecto do recurso que pretende interpor: “(…) artigo 506.º do Código de Processo Civil, interpretado no sentido de permitir a alegação, em articulado superveniente, de novos factos (nos autos a pretensa não utilização do locado) sem qualquer relação com o direito que o Autor pretendeu fazer valer na acção (nos autos, a caducidade do direito de arrendamento por extinção do inquilino, quanto ao pedido principal, e a afectação a uso diferente e cedência não autorizada do locado, quando ao pedido subsidiário). Sustenta-se que esta interpretação da norma constante do referido preceito do Código de Processo lesa os princípios decorrentes do artigo 20.º da Constituição.
Entende o Tribunal, ao contrário do que resulta da pronúncia emitida pelo representante do Ministério Público, não haver diferença substancial entre esta “dimensão normativa”, recortada pelo reclamante no requerimento de interposição do recurso, e a efectivamente aplicada pela decisão de que se recorre, nos termos da qual se interpreta a norma constante do artigo 506.º do Código de Processo Civil no sentido de, uma vez verificados os demais pressupostos nele fixados, nada obstar à dedução de articulado superveniente, integrando matéria constitutiva de nova causa de pedir.
Com efeito, e não devendo o Tribunal ater-se apenas às palavras usadas pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso, mas ao sentido razoável que do seu uso se pode ainda extrair, é admissível entender-se que, não obstante a imperfeita formulação constante daquele requerimento, quando nele se fala de “alegação, em articulado superveniente, de novos factos (…) sem qualquer relação com o direito que o Autor pretendeu fazer valer na acção”, alude-se à “dedução de articulado superveniente, integrando matéria constitutiva de nova causa de pedir”.
É certo, como sempre se tem dito, que os recursos para o Tribunal que sejam interpostos ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70.º da LTC só podem ser conhecidos se houver coincidência entre a norma cuja [in]constitucionalidade se pede que o Tribunal aprecie e a norma que tenha sido aplicada pela decisão de que se recorre. Assim é porque, caso contrário, se revelaria inútil qualquer pronúncia que o Tribunal viesse a proferir sobre a questão que lhe fora colocada. Sucede, porém, que não deve o Tribunal, no exame da admissibilidade do recurso, alhear-se do sentido razoável que do uso das palavras se pode ainda extrair, no contexto do pedido que lhe é apresentado.
Por isso, e de acordo com o disposto no nº 4 do artigo 77.º da LTC, o Tribunal defere a reclamação apresentada.
III – Decisão
Termos em que o Tribunal decide
a) Deferir a reclamação apresentada, revogando-se o despacho reclamado
b) Conhecer do recurso interposto quanto à norma constante do artigo 506.º do Código de Processo Civil, interpretada no sentido segundo o qual, uma vez verificados os demais pressupostos aí fixados, nada obsta à dedução de articulado superveniente, integrando matéria constitutiva de nova causa de pedir.
Lisboa, 16 de Fevereiro de 2011.- Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão.