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Processo n.º 684/10
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Judicial da Lousã, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A., foi interposto recurso de constitucionalidade, da sentença daquele Tribunal, na parte em que recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica, das normas dos artigos 152.º, n.º 3, 153.º, n.º 8, e 156.º, n.º 2, todos do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro.
2. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional apresentou alegações onde conclui o seguinte:
«1. Quer segundo o artigo 162º, nºs 1 e 2 do Código da Estrada, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, quer segundo o artigo 156º do mesmo Código na actual redacção (saída das alterações operadas pelo Decreto-Lei nº 265-A/2001, de 28 de Setembro e pelo Decreto-Lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro), em caso de acidente trânsito, quando não for possível realizar o exame de pesquisa de álcool no ar expirado, deve ser realizado, no estabelecimento de saúde para onde os intervenientes forem conduzidos, exame de pesquisa de álcool no sangue.
2. Como resulta da análise conjugada dos nº 2 e 3 do artigo 156º da Código da Estrada, na actual redacção, com o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 162º, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 2/98, em qualquer dos regimes, o interveniente em acidente pode recusar submeter-se àquele exame, caso em que se procederá à realização de outros exames médicos para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool.
3. Esta conclusão também se extrai do Acórdão nº 275/2009 do Tribunal Constitucional que julgou organicamente inconstitucional a norma do nº 8 do artigo 153º do Código da Estrada, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 44/2005, uma vez que se considerou que a alteração introduzida por aquele diploma legal retirara ao condutor o direito de recusar a recolha de sangue, direito que a redacção anterior (dada pelo Decreto-Lei nº 265-A/2001), lhe concedia.
4. Ora, o Decreto-Lei nº 44/2005 não introduziu qualquer alteração relevante ao artigo onde se inclui a norma do nº 2 do artigo 156º do Código da Estrada, mantendo-se, no essencial, a redacção anterior, conferida pelo Decreto-Lei nº 265-A/2001 (artigo 162º).
5. Deste modo, não tendo a actual redacção do artigo 156º do Código da Estrada qualquer carácter inovatório em relação ao estabelecido no artigo 162º do Código da Estrada, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 2/98, a norma do nº 2 daquele artigo 156º não é organicamente inconstitucional, mesmo entendendo que se está perante matéria cujo tratamento legislativo cabe na competência exclusiva da Assembleia da República (artigo 165.º, n.º 1, alíneas b) e c) da Constituição).
6. Pelo exposto, deve conceder-se provimento ao recurso.»
3. O recorrido não contra-alegou.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
A) Delimitação do objecto do recurso
5. A decisão do Tribunal Judicial da Lousã, ora recorrida, recusou a aplicação das normas dos artigos 152.º, n.º 3, 153.º, n.º 8, e 156.º, n.º 2, todos do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 25 de Fevereiro, na medida em que não permitem ao condutor/sinistrado recusar a colheita de sangue para efeitos de análise do grau de alcoolemia. Entendeu o tribunal recorrido, por remissão para a fundamentação do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto aí citado, que o Governo não se encontrava autorizado a legislar em tal matéria, pelo que as normas padecem de inconstitucionalidade orgânica.
Em consequência, o tribunal recorrido absolveu o arguido, A., como autor material da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
Apesar de a sentença recorrida e, consequentemente, o recurso interposto pelo Ministério Público, se referirem a um arco normativo formado pelos artigos 152.º, n.º 3, 153.º, n.º 8, e 156.º, n.º 2, todos do Código da Estrada, é manifesto que a inclusão do citado artigo 153.º, n.º 8, se deve a um lapso, uma vez que não tem qualquer aplicação ao caso, visto que o exame de sangue em causa foi realizado na sequência de um acidente de viação.
Acresce que o próprio recorrente, nas alegações produzidas neste Tribunal, acaba por restringir o objecto do recurso às normas dos artigos 152.º, n.º 3, e 156.º, n.º 2, do Código da Estrada, na parte referente à possibilidade de o interveniente em acidente de viação poder recusar submeter-se ao exame de pesquisa de álcool no sangue (cfr. as respectivas alegações).
Deve, por isso, entender-se que o presente recurso tem por objecto as normas dos artigos 152.º, n.º 3, e 156.º, n.º 2, do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro.
C) Apreciação do mérito do recurso
6. A questão objecto do presente recurso foi recentemente apreciada, por esta 2.ª Secção do Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 479/2010, onde se decidiu não julgar organicamente inconstitucionais os artigos 152.º, n.º 3, e 156.º, n.º, 2 do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, na parte em que não admitem a possibilidade da pessoa interveniente em acidente recusar-se a ser submetida a recolha de sangue para detecção do estado de influenciado pelo álcool, tipificando tal recusa como um crime de desobediência.
Embora com fundamentação diversa, também os Acórdãos n.ºs 485/2010 e 487/2010 decidiram pela não inconstitucionalidade orgânica da norma do n.º 2 do artigo 156.º do Código da Estrada, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de Setembro, renumerado pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro.
Conclui-se naquele Acórdão n.º 479/2010 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt):
«(…) o Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, ao tipificar a recusa da pessoa interveniente em acidente a ser submetida a recolha de sangue para detecção do estado de influenciado pelo álcool, como crime de desobediência, apesar de não se encontrar credenciado para legislar sobre esta matéria pelo parlamento, limitou-se a manter a tipificação de tal comportamento, constante da legislação que o antecedeu, a qual dispunha da necessária autorização legislativa, pelo que tal norma não reveste um cariz inovador, não necessitando, por isso de estar coberta por nova autorização parlamentar.»
A fundamentação do Acórdão n.º 479/2010 subjacente a esta conclusão – a que aderimos e para a qual remetemos – é inteiramente aplicável ao caso em apreço, que não apresenta qualquer elemento novo que obrigue a uma reponderação do problema.
III - Decisão
Pelo exposto, decide-se:
Não julgar organicamente inconstitucionais as normas artigos 152.º, n.º 3, e 156.º, n.º 2, do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, na parte em que não admitem a possibilidade de o interveniente em acidente de viação recusar a recolha de sangue para detecção do estado de influenciado pelo álcool, tipificando tal recusa como crime de desobediência;
Consequentemente, conceder provimento ao recurso, determinando a reforma da sentença recorrida em conformidade com o presente juízo de não inconstitucionalidade.
Lisboa, 25 de Janeiro de 2011.- Joaquim de Sousa Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos.