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Processo n.º 957/08
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente a EP – Estradas de Portugal, S.A. (por sucessão legal nos direitos e obrigações de EP - Estradas de Portugal, EPE) e recorrida A., Lda., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), para apreciação da inconstitucionalidade da interpretação do artigo 25.º, n.º 2, alínea a), do Código das Expropriações, no sentido de “classificar como solo apto para construção um solo abrangido em plano director municipal por área florestal estruturante”, por violação do princípios da igualdade (artigo 13.º da CRP) e da justa indemnização (artigo 62.º da CRP).
2. Dos autos emergem os seguintes elementos, relevantes para a presente decisão:
Na sequência de declaração de utilidade pública (DUP) de parcelas de terreno necessárias à execução da obra de concessão da SCUT do Grande Porto (A42-IC25) – Lanço Nó da Ermida – Paços de Ferreira, foi expropriada, entre outras, uma parcela de terreno pertencente a A., Lda.
A referida parcela de terreno é composta por três sub-parcelas, designadas por parcelas n.ºs 86.1, 86.2 e 86.5, as quais estão classificadas no Plano Director Municipal (PDM) de Paços de Ferreira (publicado no Diário da República, I Série B, de 23 de Junho de 1994): as duas primeiras como “Área Florestal Estruturante”; e a terceira como “Área Florestal em REN”.
A expropriada A., Lda. adquiriu o prédio do qual a parcela expropriada é a destacar, por compra, mediante escritura de compra e venda realizada em 16.12.2002.
Na sequência da DUP, a entidade beneficiária da expropriação, EP - Estradas de Portugal, EPE, entrou na posse administrativa do prédio.
Após arbitragem, foi proferido acórdão arbitral, fixando em 109.347,91€ o valor da indemnização a pagar à referida proprietária da parcela expropriada, tendo esta interposto recurso judicial desse acórdão.
Por sentença do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira, o recurso foi julgado parcialmente procedente, sendo fixado o valor de 478.065€, a título indemnizatório.
A expropriada, A., Lda, e a entidade beneficiária da expropriação, EP - Estradas de Portugal, EPE, interpuseram recurso desta sentença para o Tribunal da Relação do Porto, que proferiu acórdão julgando parcialmente procedentes os recursos e alterando, em consequência, o valor fixado para a indemnização para 468.065€.
É deste acórdão que vem interposto, pela entidade beneficiária da expropriação, EP – Estradas de Portugal, SA, (por sucessão legal nos direitos e obrigações de EP - Estradas de Portugal, EPE) o presente recurso de constitucionalidade.
Após a interposição do recurso de constitucionalidade, foi, por despacho de fls. 989 do Relator, ordenada a remessa dos autos, a título devolutivo, ao tribunal recorrido, para decisão de requerimentos respeitantes ao valor depositado pela entidade expropriante.
Por despacho do relator no Tribunal da Relação do Porto, foi, na sequência, o processo remetido, a título devolutivo, ao Tribunal de primeira instância, que proferiu decisão a fls. 1004 e s.
Após outros incidentes, que não relevam para a presente decisão, e regressados os autos ao Tribunal Constitucional, foram as partes notificadas para alegar.
3. A recorrente apresentou alegações, onde conclui o seguinte:
«1. A decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto ao fixar uma indemnização pelas parcelas 86.1 (7.726m2) 86.2 (731m2) e para a parte sobrante enquanto solo apto para construção, não obstante a sua classificação para fins de uso e ocupação do solo definido pela Planta de Ordenamento e Planta de Condicionamento do PDM, apenas por existência de infra-estruturas urbanísticas conforme o artigo 25.°, n.° 2, al. a) redunda numa interpretação inconstitucional deste artigo por violação do princípio da igualdade, artigo 13.°, n.º1 CRP;
2. A classificação do solo enquanto apto para construção e respectiva valoração por critérios que não resultam directamente do PDM em vigor à data da DUP, maxime artigo 34.°, n.° 5 ex vi artigo 25.°, n.º 2 PDM, constitui um tratamento arbitrário a favor do expropriado, que apenas é objecto de valoração em sede de processo expropriativo e não oponível fora deste, o que gera uma desigualdade marcante entre expropriado e não expropriados na determinação do valor das respectivas propriedades;
3. O pleno funcionamento normativo do princípio da igualdade deve assentar numa concepção material deste princípio, devendo o princípio da igualdade ser concretizado de forma relativa e por exercício de comparação;
4. Qualquer avaliação pericial ou decisão judicial será sempre uma ficção jurídica reportada a um determinado momento irreproduzível, a data de publicação da DUP;
5. O valor da parcela expropriada será fixado na estrita medida do seu potencial ou efectivo uso, ocupação e transformação juridicamente reconhecido à data da DUP;
6. O critério de determinação do valor económico será por isso objectivamente fixado e avaliado;
7. Os riscos, por muito que possam eventualmente vir a compensar a audácia de quem os assume, são exógenos à avaliação pericial em sede de processo expropriativo, que se deve cifrar por critérios de normalidade e não de excepção;
8. O tribunal ao fixar determinada indemnização está a pronunciar-se postumamente sobre o ius aedificandi da parcela expropriada, o que, como tal e ao abrigo do princípio da igualdade, pressupõe que se indague das possibilidades do integral e válido deferimento dessa mesma capacidade edificativa à data da DUP não fora a existência de uma expropriação;
9. O maniqueísmo do artigo 23.° CE quanto à classificação do solo promove distorções que arbitrariamente beneficiam os expropriados e a entidade expropriante dependendo da sorte ou azar da prova pericial produzida;
10. Se atentarmos à prova nos presentes autos concluiremos desde logo, face ao prescrito no PDM, que efectivamente quanto ao espaço em Área Florestal Estruturante não é afastada a possibilidade de uso e ocupação construtiva, todavia depende da verificação de condicionantes e da existência de um relevante interesse público, que permita desconsiderar o uso e ocupação dominante das parcelas;
11. No limite, o valor das parcelas poderá sempre corresponder a um valor superior a um simples eucaliptal ou plantação de batatas por força das suas características, infra-estruturas e localização;
12. O reconhecimento de um direito ou interesse no foro urbanístico carece de legitimação prévia por referência aos pressupostos e critérios legais e administrativos vigentes; sendo que esta dimensão de legitimação material deve igualmente pautar a actuação do Tribunal, no juízo que fizer no processo expropriativo em especial sobre as conclusões da avaliação pericial;
13. O direito à justa indemnização igual, proporcional e não arbitrário, que se analisa, desde logo, no reequilíbrio da posição patrimonial do expropriado face ao não expropriado, pressupõe um exercício de comparação assente, no caso vertente, em três factores concretos: a) data da aquisição e respectivas condições e valor prédio expropriado fixados no contrato de compra e venda celebrado pelos expropriados em 2002; b) posição abstracta do expropriado face às regras do PDM vigentes e aplicável aos demais proprietários e cidadãos; c) características e localização do prédio e parcelas expropriadas
14. Os expropriados tinham conhecimento ou deviam conhecer o prescrito e respectivo regime condicionado para as parcelas por força do PDM;
15. Qualquer ocupação construtiva seria sempre excepcional, necessitaria de ser cabalmente fundamentada e, ainda assim, ver-se-ia sempre limitada pela existência de uma extensa área de terreno) e por parâmetros de ocupação reduzidos;
16. Esta é a realidade objectivamente oponível a todos as pessoas à data da DUP, mas mais importantemente ainda à própria data da aquisição pelos expropriados;
17. A natureza florestal é, deste modo, emergente das características do solo e respectiva vinculação situacional, assumindo relevo como tampão de protecção ambiental para a zona impondo-se, deste modo, o seu respeito pelos instrumentos de planeamento municipal;
18. O Tribunal a quo, a quem competia julgar e interpretar as questões de direito, não assenta o seu juízo no efectivo destino económico admissível e possível de concretizar atenta a classificação do solo para fins do PDM — instrumento de gestão territorial dotado de eficácia plurisubjectiva e das características da auto e heteroplanificação;
19. Hoje é claro e aceite que o destino económico de uma parcela expropriada terá que corresponder ao seu destino juridicamente admissível, pois só a este corresponde o valor de mercado, por ser o único passível de ser concretizado;
20. Não se aceita que possa ser reconhecido ao expropriado e apenas num processo expropriativo, cujo objecto é determinar o valor do bem conforme as circunstâncias à data da DUP de acordo com as regras normais de mercado (Dezembro de 2003), uma potencialidade construtiva que o terreno expropriado claramente não detinha à luz do enquadramento normativo aplicável;
21. A consideração autónoma dos requisitos prescritos nas als. a) e b) do artigo 25.°, n.° 2 CE sem considerar os instrumentos legais que efectivamente concretizam e permitem o ius aedificandi, conforme foi considerada pelo Tribunal a quo, redunda numa interpretação ilegal e incorre numa manifesta e intolerável violação do princípio da igualdade, revelando-se uma interpretação inconstitucional do disposto por violação do artigo 13.°, n.°1 CRP e o princípio da igualdade;
22. A DUP não se consubstancia numa alteração às condicionantes que afectam o uso e ocupação da parcela anteriormente existentes;
23. Qualquer juízo pericial que defenda uma aptidão construtiva contrária ao prescrito no PDM estaria ferido de nulidade (artigo 103.° do RJIGT e artigo 24.° do RJUE, que estipula como causa de indeferimento a existência de uma DUP sempre que o projecto de operação urbanística com esta não se conforme);
24. A classificação em área florestal estrutural resulta de uma opção do Município intencional e ponderada face à ocupação da envolvente, características naturais do solo e equilíbrio biofísico da zona;
25. Não se verificavam à data da DUP as condições e pressupostos a favor do reconhecimento da aptidão construtiva tout court, prevalecendo inequivocamente a ocupação efectiva e destino prescrito no PDM: o uso florestal;
26. Sem a expropriação nunca poderia o expropriado, enquanto requerente junto do Município de Paços de Ferreira — perante o quadro factual existente à data da DUP e provado nos autos — impor ao mercado um valor do solo correspondente a uma aptidão construtiva;
27. Os terrenos já se encontravam condicionados na sua ocupação à data de aquisição pelos expropriados;
28. Num juízo comparativo constatamos que não há um fundamento material que justifique razoável e legitimamente a distinção jurídica entre proprietários expropriados e não expropriados;
29. A situação jurídica em que ambos se encontram face ao processo expropriativo representa, afinal de contas, um favorecimento e consequente discriminação injustificável a favor ao expropriado face aos demais proprietários abrangidos pelo PDM de Paços de Ferreira;
30. É juridicamente inadmissível interpretar o artigo 25.°, n.° 2 CE enquanto mera operação objectiva e automática de classificação do solo para efeitos de fixação da justa indemnização, desconsiderando as normas legais e regulamentares que não reconhecem uma tal capacidade edificativa, nem real, nem sequer potencial;
31. A avaliação do solo como para outros fins impõe-se pelo imperativo de igualdade das pessoas face ao plano, porque é este destino florestal o que decorre do enquadramento jurídica e economicamente relevante;
32. Em causa não está tanto a pretensa classificação do solo, quando o mesmo serve de instrumento para descaracterizar a realidade jurídica da parcela vinculativa à data da DUP e considerar potencialidades económicas inexistentes e intangíveis.
33. A localização da parcela permite majorar equitativamente o valor do solo assente no rendimento da produção florestal e não, como decorre da sentença, sem mais considerar o solo como solo urbano e apto integralmente a construção sem considerar as condicionantes jurídicas;
34. A sentença do Tribunal a quo, por implicar o reconhecimento jurídico de uma pretensão construtiva em particular por um regime que não resulta do PDM — pois invés de aplicar o artigo 34.°, n.° 5 ex vi artigo 35.°, n.° 2 PDM, considera uma realidade inexistente e intangível para o expropriado;
35. O expropriado não estava à data da DUP numa situação efectiva, nem tão pouco potencial equiparada aos proprietários de terreno em zona de aglomerado urbano de baixa densidade;
36. Prevalece o princípio básico da igualdade perante a lei, in casu de igualdade perante o regulamento administrativo, como se qualifica o PDM de Paços de Ferreira.
37. Não é por isso juridicamente admissível que uma pessoa não expropriada se possa fazer valer, para fins de reconhecimento de uma pretensão edificativa, sem mais, do prescrito no artigo 25.°, n.º 2, al. a) e b) CE;
38. Além do anacronismo desta disposição, cifra-se a mesma no reconhecimento de um direito artificial e ficcionado para exclusivo efeito do processo expropriativo violando inclusive disposições legais e regulamentares vinculativas quer para entidades pública e privadas;
39. A igualdade perante o sacrifício de encargos públicos pressupõe a inexistência de um tratamento desfavorável contra o expropriado e a inexistência de um tratamento de favor do mesmo;
40. O artigo 27.°, n.° 3, conjugado com o artigo 23.°, n.° 1 CE é suficientemente amplo e flexível para conferir ao julgador mecanismos de fixação de uma indemnização proporcional e conforme o valor de mercado da parcela;
41. O princípio da igualdade e da proporcionalidade acabam, também neste domínio urbanístico, por se entrecruzar, pois, e na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 39/88: “a igualdade não é, porém, igualitarismo. É, antes, igualdade proporcional”
42. A expropriação apenas afecta o direito de propriedade de um prédio cujo uso e ocupação são consentâneos com a sua vinculação situacional e jurídica, conhecida dos expropriados nem tão pouco potencial equiparada aos proprietários de terreno em zona de aglomerado urbano de baixa densidade;
43. Não há fundamento, nem razões para em sede de processo expropriativo corrigir o prescrito no PDM;
44. Logo, qualquer discriminação a favor do expropriado que implica a derrogação das normas em vigor quanto ao uso e ocupação do solo viola os princípios da igualdade material e, bem assim, do princípio da proporcionalidade.
45. Pelo que a interpretação pugnada pelo Tribunal da Relação e da Primeira Instância, ao autonomizar critérios de classificação do solo, não vigentes fora relação expropriativa, nos termos do artigo 25.°, n.° 2, al. a) CE, é inconstitucional.
46. Todo o solo deveria ser classificado como apto para outros fins, por respeito ao tratamento igual e proporcional resultante da vinculação do PDM aplicável a todos os proprietários no concelho de Paços de Ferreira;
47. Sem conceder, diga-se ainda, que qualquer que fosse a classificação construtiva do solo, o mesmo não permitiria a derrogação das regras vigentes pelo PDM.
48. Apenas será reconhecida a aptidão construtiva consagrada no PDM vigente prevista no artigo 34.°, n.° 5 PDM ex vi artigo 35.°, n.° 2 PDM.
49. Sendo as presentes conclusões extensíveis à classificação operada quanto à área da parte sobrante.
Nestes termos deve a interpretação do artigo 25.°, n.° 2 CE realizada conforme o aresto do Tribunal da Relação ser julgada inconstitucional, revogando-se o acórdão proferido e ordenando-se que seja tomada nova decisão em conformidade com o juízo de constitucionalidade acima definido.»
4. A recorrida contra-alegou, concluindo como segue:
«1ª- Como tem sido entendido pelos tratadistas e tem constituído Jurisprudência deste Venerando Tribunal, o principio da igualdade protege a proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos, constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais.
2ª- Só quando os limites externos da “discricionariedade legislativa” são violados, isto é, quando a medida legislativa não tem o adequado suporte material é que existe uma “infracção” do princípio da igualdade enquanto proibição do arbítrio.
3ª- A justa indemnização quanto ao ressarcimento dos prejuízos suportados pelo expropriado pressupõe a fixação do valor dos bens ou direitos do expropriado que tenha em conta, por exemplo, a natureza dos solos (aptos para a construção ou para outro fim).... isto é, as circunstâncias e as condições de facto.
4ª- O controlo judicial do comportamento do legislador, com o objectivo de determinar se este, adaptando determinada solução normativa, se conteve dentro dos parâmetros elementares do princípio constitucional da igualdade expressa no art.° 13 da CRP pressupõe uma conformação aprofundada dos fins visados com essa solução.
5ª Significa isto que estando sempre em causa um juízo de compreensão entre duas realidades, só através da determinação dos objectivos visados é possível compreender se esta ou aquela solução se configura como arbítrio.
6ª Os tribunais comuns superiores têm quase uniformemente interpretado a norma do art. 25.° n.° 2 CE, na parte em que aqui releva, no sentido de, verificados os pressupostos de qualquer das als, a) ou b) do seu n.° 2, para efeitos de cálculo de indemnização, os terrenos expropriados, devem ser avaliados como “solos aptos para a construção”.
7ª- Já que um terreno que satisfaça os pressupostos das als a) ou b) do n.° 2 do referido art.º 25.° tem indubitavelmente as características de um terreno com uma muito mais próxima ou efectiva potencialidade edificativa.
8ª- Ou, na formulação do Prof. Alves Correia “para a determinação das espécies de terreno que integram a classe de “solo apto para a construção”, o legislador adoptou um critério concreto de potencialidade edificativa, tendo em conta os elementos certos e objectivos constantes das quatro alíneas do n.° 2 da norma em análise “(A Jurisprudência do Tribunal Constitucional, in RLJ n.° 391 a fls 50).
9ª- Ora o legislador ao ter por “aptos para a construção” solos que se encontram em qualquer das situações de qualquer das alíneas do n.º 2 do art.º 25.º do CE, nem sequer cria desigualdades entre expropriados e não expropriados e muito menos cai no livre arbítrio, sendo que a medida legislativa tem o adequado suporte material, como adiante se demonstrará.
10ª- E isto porque, como se referiu já, os solos expropriados que satisfaçam os pressupostos de qualquer das alíneas do n.° 2 do art.º 25.º do C.E. têm uma muito forte ou efectiva potencialidade edificativa.
11ª- Já que, contrariamente ao que alega a recorrente, os terrenos incluídos em RAN, nos termos do art. 33, n.°s 2 e 3 do PDM/Paços de Ferreira têm potencial edificativo para fins de uso florestal; habitacional; turístico e industrial, verificados os pressupostos de facto naquele indicados.
12ª- Os PDM,s ou outros instrumentos semelhantes, nos termos do disposto o no Dec.Lei 69/90, de 02 de Março, alterado pelo Dec.Lei 211/92, de 08 de Outubro admitem, na sua vigência, o estabelecimento de medidas preventivas (art.7), normas provisórias (art. 8.°), podendo ser totalmente suspensos ( art. 21°) e devendo ser obrigatoriamente revistos (art° 19, n.° 2).
13ª Foi por isso que o legislador prescreveu que, mesmo solos incluídos em RAN, desde que satisfaçam os requisitos objectivos de qualquer das als. do n.° 2 do art.º 25.º do CE, por isso, e pela consideração de que esses solos podem ver modificado o seu uso através de “medidas preventivas”, ”normas provisórias”, “suspensão dos PDM,s” e “obrigatória revisão dos mesmos antes de perfazerem 10 anos de vigência”.
14ª- E ao encontrar essa solução legislativa, o legislador não caiu no livre arbítrio, sendo que a medida legislativa tem o adequado suporte material, no facto de, previsivelmente e a curto prazo, tais solos, verem a sua classificação modificada e disporem de todas as infraestruturas que permitam neles edificar.
15ª- Por outro lado, e em contraponto, como muito bem nota José Osvaldo Gomes, in “Expropriações por utilidade Publica” Texto Editora - os solos classificados de baixa densidade de construção, em PDM, também não garantem em termos absolutos aos seus proprietários , o direito a neles construírem, já que esse direito fica dependente de obtenção da licença de loteamento ou da licença de construção a conceder pela administração local (e nalguns casos pela administração central), sendo que qualquer dessas licenças pode ser denegada .... até por considerações de ordem estética.
16ª- Pelo que, em tese, não resulta necessariamente que os não expropriados, por terrenos análogos, fiquem prejudicados quando comparados com os expropriados por estes virem a receber um valor superior pelos seus terrenos quando comparado com os terrenos daqueles.
17ª- Mas, e como também merece o acordo dos tratadistas e da douta jurisprudência, o que vem de alegar-se em tese deve ser aferido pela realidade do caso e determinar se, face a essa realidade, a interpretação dada ao art.º 25.° foi arbitrária, não tem o suporte material ou transporta em si transporta em si descriminações intoleráveis.
18ª- Ora, no caso concreto, não se tratou de avaliar todo o terreno expropriado como “ solo apto para construção” antes uma pequena percentagem do solo expropriado, confinante com a via pública e até uma profundidade deste.
19ª- O solo expropriado situa-se numa zona de povoado habitacional em expansão (segundo o relatório da peritagem) faz parte dele ou é-lhe contíguo (segundo o relatório de peritagem).
20ª- O acesso ao prédio é feito através de um arruamento público, pavimentado a betuminoso, com 5,90 m de largura e bermas de 1 metro cada, dispondo de linha de energia eléctrica em alta tensão, linha de telefones fixos, colector de águas pluviais e rede de abastecimento de água.
2lª- As parcelas expropriadas confinam com a via pública numa extensão de 235 metros (175+80+80)
22ª- Contíguas às parcelas expropriadas existem três moradias e na envolvente, dezenas de moradias unifamiliares e num raio de 30 metros, mais de 50 moradias; 10 estabelecimentos comerciais; 6 instalações industriais; estradas pavimentadas, etc.
23ª- O PDM/Paços de Ferreira, nos termos legais, seria obrigatoriamente revisto antes de 6 meses a contar da DUP;
24ª- Na negociação prévia ao processo litigioso expropriativo, a expropriante propôs à expropriada a compra dos terrenos pela quantia de 221.595 euros; o relatório pericial maioritário, fixou esse valor em 359.137,50 euros, valor esse reduzido para 319. 5665 (243.369 +76.196) na douta sentença proferida e mantido no douto Acórdão recorrido, sendo que a decisão arbitral atribuiu ao terreno expropriado a quantia de 104.958 Euros.
25ª- Pelo que é muito maior a divergência entre o valor fixado pela decisão arbitral e a proposta da expropriante, por um lado; do que a diferença entre esta e o valor fixado ao terreno.
26ª- E isto sem prejuízo de o valor real dos bens expropriados ser naturalmente superior ao que a expropriante ofereceu por ele à expropriada, nos termos da lei da oferta e da procura.
27ª- Se, em tese, se não mostravam violados os princípios da igualdade e da justa indemnização, analisados os princípios face ao caso concreto, derivam razões acrescidas para que se não mostrem violados esses princípios.
27ª- Já que não é seguro, por tudo quanto ficou alegado, que a expropriada tenha sido beneficiada em comparação com os não expropriados proprietários de terrenos com características semelhantes.
28ª- Mas é absolutamente seguro que interpretação do art.º 25.º n.° 2 do CE tida na Sentença e Acórdão não conduz a situações arbitrárias, não cria necessariamente situações de desigualdades e tem o adequado suporte material.
29ª- Não dispõe o tribunal de elementos processuais que lhe permitam formular um juízo de certeza de que a indemnização atribuída aos expropriados será muito superior ao valor de solos idênticos não expropriados.
Pelo que não deve ser formulado juízo de inconstitucionalidade da norma do art.º 25.°, n.° 2 do CE interpretado no sentido de que uma pequena parte dos terrenos expropriados (com frente para a via pública e numa profundidade de 50m) devem ser avaliados como “solo apto para a construção” com o que se fará JUSTIÇA! »
5. Por despacho de fls. 1102, e pelas razões nele constantes, foram as partes notificadas para se pronunciarem sobre a eventualidade de conhecimento do objecto do recurso, na parte em que o acórdão recorrido, fazendo uso da interpretação normativa em causa, se pronuncia sobre a classificação da “parcela 86.2”, com 731m2, e de não conhecimento do mesmo na parte restante.
A recorrente pronunciou-se da forma que se segue:
«EP - ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A., entidade expropriante nos autos acima identificados, notificada para se pronunciar para efeitos do artigo 704.°, n.°1 CPC, vem dizer o seguinte:
1. O objecto do recurso definido pelas alegações da entidade expropriante cinge-se à apreciação da inconstitucionalidade do artigo 25.°, n.° 2, al. a) CE, tal como foi aplicado pelo Tribunal da Primeira e Segunda Instância.
O presente pedido liga-se indissociavelmente àqueles arestos judiciais, neles colhendo o seu fundamento, mas podendo igualmente por eles ser prejudicado.
Como reconhece o Douto Despacho, a fundamentação do Tribunal da Relação é vaga, o que tomaria, em muitos casos, tecnicamente impossível recorrer de uma decisão judicial e da tarefa de interpretação jurídica em que assenta quanto a fundamentação não é clara e objectiva, como deveria ser. Devem, por isso mesmo, e sobretudo em matérias tão técnicas e com tão pouca consolidação judicial como a matéria de expropriações, ser lidos de forma ajustada os requisitos de que depende o conhecimento do recurso, ou o conhecimento global do recurso, pelo Tribunal Constitucional.
2. Não obstante a falta de clareza da fundamentação do Tribunal da Relação, tenha o Tribunal Constitucional e o Meritíssimo Senhor Juiz Conselheiro por certo que o objecto do Recurso interposto deve ser integralmente conhecido, porque a essência do Acórdão ora recorrido e interpretação em que assenta redundam numa ostensiva violação dos artigos 23.°, 25.°, 26.°, 27.° CE e artigos 13.°, n.° 1 e 62.°, n.° 2 CRP.
3. Conforme as conclusões por nós formuladas, o que está em causa é a interpretação exclusiva do artigo 25.°, n.° 2 al. a) CE, pois, em momento algum, o Tribunal da Relação aplicou o artigo 25.°, n.° 2 al. c) CE. Este seria o único disposto legal que poderia permitir eventualmente reconhecer aptidão construtiva para a parcela em ‘Área de Floresta Estruturante’, o que está bem de ver o Tribunal não aplicou.
O Tribunal aplicou exclusivamente o artigo 25.°, n.° 2, al. a) CE para justificar uma aptidão construtiva reconhecida, pelo PDM, a solos urbanos e não solos em Área de Floresta Estruturante. Basta constatar que o Tribunal ratifica um relatório Pericial maioritário que aplica uma carga construtiva de 0,6m2/m2, para uma área de solo cuja ocupação construtiva constituiria sempre, de acordo com os ditames de planeamento, um destino excepcional e limitado. Confronte-se as regras previstas no artigos 34.°, n.°5 ex vi artigo 35.°, n.° 2 e artigo 35.°, n.°1 do PDM.
Ad absurdum, na perspectiva do Tribunal, não haveria nunca solo para outros fins, já que é difícil encontrar categorias de uso do solo nos PDM que não admitam, em parte (por vezes muito limitada) alguma edificabilidade. E o mesmo se diga de condicionantes legais (REN, RAN), que vão sempre admitindo alguns, embora apertados, usos edificativos compatíveis. Não se pode encontrar, a nosso ver, maior subversão (e, por isso, ostensiva violação) do que esta da cláusula constitucional da justa indemnização!
4. Mais, cientes que a realidade dos solos e a sua vocação são as que resultam da sua vinculação situacional e jurídica, a entidade expropriante, assumindo uma posição equitativa, aceita que a avaliação de um solo para outros fins possa considerar outras potencialidades económicas que sejam admitidas a título residual e excepcional, por exemplo considera que na classificação do solo para outros fins possa ser integrada uma parcela relativa à edificabilidade limitada que poderia, ainda que de forma mais ou menos remota (dependente de decisão administrativa e dos pressupostos em que esta assenta) ser concretizada no local. Contudo, esta edificabilidade seria sempre limitada e funcionalizada ao USO E OCUPAÇÃO DOMINANTE, no caso florestal, fixadas pelo PDM e aplicadas a todos os particulares e entidades públicas sujeitos ao referido diploma regulamentar. É bom de ver que é muito diferente aplicar índices restritos à área expropriada (únicos que eventualmente poderiam ser concretizados) e aplicar um índice de 0,6 à mesma, aplicação esta que redunda numa definição do valor de mercado do prédio absolutamente inconsequente e inconstitucional.
5. Ora, o que está em causa é a interpretação do artigo 25.°, n.°2 al. a) CE, pois da aplicação deste dispositivo considerou o Tribunal avaliar um solo como apto para construção a título autónomo, omitindo por completo o regime jurídico definido para a parcela expropriada fixado pelo PDM.
Transcrevendo as nossas alegações:
“Neste sentido resulta de forma clara e expressa que qualquer ocupação construtiva seria sempre excepcional, necessitaria de ser cabalmente fundamentada e, ainda assim, ver-se-ia sempre limitada pela existência de uma extensa área de terreno (no mínimo 10.000m2 para fins habitacionais ou turísticos e 20.000m2 para fins industriais) e por parâmetros de ocupação reduzidos: 0,03 para fins habitacionais (salvo em casos de colmatação, 0,25) e turísticos; quanto ao uso e ocupação industrial prevê-se como área de implantação máxima 0,15 e área máxima de afectação 0,2.”
6. Se existissem outros critérios que permitissem relevar potencial construtivo os mesmos teriam que ser analisados de acordo com o regime jurídico vigente à data da DUP e nos termos por ele fixados, maxime o PDM. O que não sucede no Acórdão da Relação e na Sentença de Primeira Instancia. A previsão do PDM serve somente de alavanca à interpretação do artigo 25.°, n.° 2, al. a) CE, pois, como resulta de forma ostensiva do relatório pericial fundamento da sentença, a classificação do solo como apto para construção e respectiva avaliação em nada respeitam o prescrito no PDM e muito menos, os índices que seriam aplicáveis se o Tribunal tentasse, de forma consequente, classificar o solo pelo artigo 25.°, n.° 2, al. c) CE.
7. Por último, ao contrário do firmando no Douto Despacho, o objecto do recurso não tem subjacente a ideia de que a classificação do solo, em PDM como ‘área de floresta estruturante ‘implica a perda da respectiva capacidade edificativa.
Antes pelo contrário.
O que resulta do PDM é que as zonas em Área de Floresta Estruturante não têm (e não que não perdem), salvo de forma excepcional e limitada, capacidade edificativa.
Diga-se que a concepção do ius aedificandi não é uma noção exclusiva do direito de propriedade civilístico, antes incorpora uma dimensão pública definida e determinada pelo direito de urbanismo. O interesse público condiciona e conforma o direito de propriedade postulando interesses e valores superiores ao das pretensões construtivas do proprietário. Existe por isso uma clara inversão de premissas quando se entende que a classificação do solo pelo PDM como área de floresta estruturante determinaria a perda de uma prévia capacidade edificativa; tal como redunda numa clara subversão dos dados constitucionais a consideração de que a previsão mínima de edificabilidade em solo rural no PDM permite, em sede de expropriações, “comprovar” uma sua de facto inexistente capacidade edificativa.
O solo não tinha aptidão construtiva face à sua vinculação situacional resultante das características do solo, localização e envolvente agrícola e florestal, expressamente reconhecida pelo PDM de Paços de Ferreira.
O que dispõe este normativo é que excepcionalmente se pode prever uma capacidade edificativa, contudo sempre de cariz residual e respeitando o uso dominante. Ou seja, a parcela não tem capacidade edificativa, só a podendo vir a ter mediante uma decisão administrativa, que deve obedecer, ela mesma, a pressupostos estritos. O PDM e sua regulamentação não reconhece qualquer direito, nem tão-pouco um interesse legítimo de se impor à administração uma decisão favorável a pretensões construtivas.
8. Concluindo, o Tribunal da Primeira e Segunda Instância reconheceram capacidade edificativa ao solo somente pela existência de infra-estruturas. Qualquer remissão ou referência ao PDM foi tão só um instrumento para justificar o indefensável:
que um solo em área de floresta estrutural era apto para construção de moradias unifamiliares (cf. Relatório Pericial). O PDM serviu, por isso, para legitimar uma pretensão ilegítima e ilegal à luz dos seu próprio regime.
Se existisse capacidade edificativa a mesma apenas seria a reconhecida pelo PDM e conforme o artigo 25.°, n.° 2 al. e) CE, o que não sucede nos autos.
9. Retomando, a violação do dever de fundamentação e clareza que impende sobre uma decisão judicial não pode implicar um ónus sob o recorrente quanto ao objecto do seu recurso, quando da interpretação objectiva da sentença e do acórdão, o disposto legal que fundamenta a decisão e respectiva classificação é só um, o artigo 25.°, n.° 2, al. a) CE. O que resulta de forma nem sempre clara, mas inequívoca, é que em momento algum foram chamados à colação ou aplicados os dispositivos do PDM quanto aos pressupostos regulamentares que reconhecem aptidão construtiva à parcela, o que não pode significar uma aplicação autónoma e individual do artigo 25.º, n.º 2, al. a) CE
Pelo exposto, é nosso modesto entendimento, que deve ser conhecido o objecto do recurso na sua integralidade, uma vez que a única norma que fundamenta, para o Tribunal, a aptidão construtiva das parcelas é o artigo 25º, nº 1, al. a) CE, pois as normas do PDM nunca foram consideradas na decisão e respectiva avaliação pericial.»
A recorrida nada disse.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A) Delimitação do objecto do recurso
6. A norma objecto do presente recurso, tal como delimitada pela recorrente, é a do artigo 25.º, n.º 2, alínea a), do Código das Expropriações (aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro), quando interpretada no sentido de “classificar como solo apto para construção um solo abrangido em plano director municipal por área florestal estruturante”.
No citado despacho de fls. 1102, suscitou-se o eventual não conhecimento de parte do objecto do recurso, por se perspectivar, em síntese, que, ao aderir à fundamentação da sentença proferida em primeira instância, o acórdão recorrido teria adoptado critérios distintos para sustentar a decisão de classificar uma parte do solo expropriado como “solo apto para construção”. Em consequência, o recurso só poderia ser conhecido na parte em que a ratio decidendi do acórdão assenta no critério que a recorrente identificou como objecto do recurso.
Em resposta, a recorrente sustentou o conhecimento integral do objecto do recurso, arguindo, em suma, o seguinte:
- Que a fundamentação do Tribunal da Relação é vaga, dificultando a identificação do critério normativo em que se baseou, pelo que os requisitos de que depende o conhecimento do recurso devem ser lidos “de forma ajustada”;
- Que o acórdão recorrido apenas fez aplicação da alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º do CE e não também da sua alínea c), sendo certo que apenas este último dispositivo permitiria eventualmente reconhecer aptidão construtiva para a parcela em “Área de Floresta Estruturante”;
- Que a previsão do PDM serve apenas de “alavanca” à interpretação que o Tribunal recorrido fez do artigo 25.º, n.º 2, alínea a), do CE, pois a classificação do solo como apto para construção e respectiva avaliação (feitas no relatório pericial em que se fundamentou a sentença) em nada respeitam o prescrito no dito PDM e, muito menos, os índices que seriam aplicáveis se o Tribunal tivesse classificado o solo pela alínea c) do n.º 2 do artigo 25.º; pois o Tribunal, seguindo o relatório pericial maioritário aplicou uma carga construtiva de 0,6m2/m2, que é a aptidão reconhecida a solos urbanos e não a solos em Área de Floresta Estruturante;
- Que as zonas definidas em PDM como “Área de Floresta Estruturante” não têm capacidade edificativa (pelo que não se pode dizer que há “perda” de capacidade edificativa, como referido no despacho do Tribunal Constitucional de fls. 1135) e só a podem adquirir em casos limitados e excepcionais e mediante decisão administrativa;
- Conclui que o Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação, ora recorrido, reconheceram capacidade edificativa ao solo somente pela existência de infra-estruturas e que qualquer «referência ao PDM foi tão só um instrumento para justificar o indefensável: que um solo em área de floresta estrutural era apto para construção de moradias unifamiliares», pois se existisse capacidade edificativa a mesma apenas seria a reconhecida pelo PDM e nos termos previstos na alínea c) do n.º 2 do artigo 25.º do CE.
Para decidir, cumpre reponderar a ratio decidendi da decisão recorrida.
A sentença proferida em primeira instância pelo Tribunal Judicial da Comarca de Paços de Ferreira (fls. 569/604 dos autos) assentou a decisão de classificação numa distinção de base: a distinção entre solos cuja classificação “legal” significa que a sua aptidão construtiva está vedada por “norma legal” e solos que não são objecto de qualquer restrição ou classificação legal, mas apenas estão abrangidos por normas regulamentares (no caso, o PDM de Paços de Ferreira) e, portanto, emanadas, não do poder legislativo, mas do poder administrativo. Partindo desta distinção, decidiu classificar as parcelas de terreno expropriadas da forma seguinte:
a) como solo apto a fim diverso da construção as áreas legalmente classificadas em Reserva Ecológica Nacional, bem como aquelas que, por lei, constituem “espaço-canal”, numa área global de 10.273m2 (cfr. pág. 21 da sentença, a fls. 589 dos autos), entendendo-se, em síntese, que tais solos revelam “falta de aptidão edificativa em resultado das suas características intrínsecas, constituindo-se [a sua inserção na RAN ou na REN] como uma legítima restrição legal aos jus aedificandi, que se repercute no seu valor venal (fls. 583 dos autos);
b) como solo apto para construção a área global de 16.502m2, qualificada no PDM como “Área Florestal Estruturante”, “clarificando-se ser esta a área global das parcelas expropriadas onde não está legalmente vedada a aptidão construtiva, o que não significa que a totalidade daquela área deva ser avaliada como terreno para construção” (idem).
Mais explicita a sentença da 1.ª instância (cfr. págs. 21/23 da sentença, a fls. 589/591 dos autos) que a área classificada como “solo apto para construção” é composta por:
b1) Uma área da sub-parcela 86.2, que, por ter apenas 731m2, não tem aptidão construtiva em face do artigo 34.º, n.º 5, alínea b), do PDM de Paços de Ferreira, e que não obstante deve ser qualificada como solo apto para construção, porque preenche os requisitos exigidos no artigo 25.º, n.º 2, alínea a), do Código das Expropriações (excepto no que respeita ao saneamento, questão que, no entanto, não integra o objecto do presente recurso);
b2) Uma parte da parcela 86.1, considerando, quanto a esta última, o disposto no artigo 34.º, n.º 5, alínea b), do PDM de Paços de Ferreira, na medida em que, em parte, tal solo reúne os requisitos aí previstos para se admitir a construção de moradia unifamiliar (cfr. fls. 592 dos autos).
Do exposto, conclui-se que a norma do artigo 25.º, n.º 2, alínea a), do Código das Expropriações (CE) foi o fundamento único e determinante para classificar a “subparcela 86.2” (correspondente a 731 m2) como terreno apto para construção. É o que se afirma na citada sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Paços de Ferreira (cfr. fls. 590/591):
«Da conjugação das normas que vimos de enunciar, entendemos que a referenciada parcela expropriada terá de ser classificada, para efeitos de expropriação, como solo apto para construção, na medida em que, embora não lhe sendo atribuída nenhuma aptidão construtiva por força do disposto no art. 34.º, n.ºs 2 a 6, do Plano Director Municipal de Paços de Ferreira (ex vi art. 35.º, n.º 2, do Plano Director Municipal de Paços de Ferreira), dispõe de acesso rodoviário, de rede de abastecimento de água e de rede de energia eléctrica (cfr. factos provados) e, por via disso, deve enquadrar-se no disposto no art. 25.º, n.º 2, alínea a), do Código das Expropriações. (…)
Em face do que vimos de sustentar entendemos que pela aplicação directa do art. 25, n.º 2, al. a), do Código das Expropriações, a parcela em causa deverá ser qualificada como terreno apto para construção e a indemnização atribuída ser em função de tal qualificação».
Esta fundamentação é transcrita no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, onde expressamente se afirma que «são estes os argumentos adoptados por quem julgou em 1.ª instância e com os quais concordamos inteiramente» (cfr. pág. 21 do acórdão).
Em suma, no que respeita à parcela “86.2”, o acórdão recorrido apoiou-se “directamente” (e exclusivamente) na interpretação questionada da norma do artigo 25.º, n.º 2, alínea a), do Código das Expropriações, para sustentar a sua qualificação como “terreno apto para construção”. É quanto basta para conferir utilidade ao presente recurso.
Já quanto à qualificação da parcela “86.1”, os termos do acórdão são bem menos inequívocos. Na verdade, depois de asseverar que «nem sequer necessitamos de recorrer aos argumentos esgrimidos pela expropriada nas suas alegações e que assentam na “disciplina regulamentar colhida do PDM de Paços de Ferreira” (…)», o aresto não dispensa uma alusão ao conteúdo das normas do Plano Director Municipal de Paços de Ferreira aplicáveis, fazendo notar «que é o próprio PDM que permite que as parcelas em apreço possam vir a adquirir as características descritas na alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º do C.E.». E conclui desta forma o tratamento do tema:
«De todo o modo o certo é que a localização de determinada parcela em área definida pelo PDM como “Espaço Florestal” não lhe retira a possibilidade de só por esse facto, poder ser classificada como solo apto para construção (…)»
Esta referência final inculca a ideia de que, ao chamar-se a atenção para o teor do PDM, não se está a enunciar um autónomo fundamento da decisão, concorrente com a interpretação normativa objecto do recurso. Apenas se está a sustentar que a classificação do solo a expropriar constante desse Plano não constitui impedimento a atribuir-lhe aptidão edificativa. O que se visa é afastar uma eventual interpretação que conferisse à classificação constante do PDM uma eficácia excludente da que resulta da aplicação da norma do artigo 25.º, n.º 2, alínea a), do CE. Não é por o PDM permitir, em certas condições, construir, mas por não obstar à classificação que se retira daquela norma que o solo deve ser tido como apto para construir.
Se assim é, a questão acaba por ser reconduzida à que constitui objecto do presente recurso. É razão determinante da decisão, no seu todo, um critério normativo adoptado por interpretação daquela norma, não se confirmando, assim, a hipótese de dualidade de fundamentos, suscitada no despacho em referência.
E, de qualquer forma, mesmo a entender-se que persistem dúvidas na interpretação a dar ao acórdão recorrido, a sua solução contende apenas com a delimitação da incidência, sobre ela, da decisão a emitir por este Tribunal. De facto, caso venha a ser proferido um juízo de inconstitucionalidade sobre a dimensão normativa questionada, a consequente reformulação do acórdão recorrido não terá um sentido pré-determinado. Caberá ao Tribunal da Relação do Porto, em sede de reformulação, retirar as consequências devidas no que respeita à decisão de classificação da parcela 86.1, em consonância com as razões que efectivamente lhe subjazem.
Conclui-se, por todo o exposto, que o presente recurso de constitucionalidade tem por objecto a norma do artigo 25.º, n.º 2, alínea a), do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de “classificar como solo apto para construção um solo abrangido em plano director municipal por área florestal estruturante”.
B) Apreciação do mérito do recurso
7. A norma do artigo 25.º, n.º 2, alínea a), do CE (aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, com as alterações posteriores), estabelece que é “solo apto para construção” aquele que «dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir».
A recorrente questiona a constitucionalidade desta norma quando interpretada no sentido de permitir qualificar como solo apto para construção um solo integrado em plano director municipal como “área florestal estruturante”. No entender da recorrente, esta qualificação – que assenta numa consideração autónoma dos requisitos prescritos no artigo 25.º, n.º 2, alínea a), do CE, sem considerar os instrumentos legais que concretizam e permitem o ius aedificandi – viola o princípio da igualdade, na medida em que gera desigualdade entre expropriado e não expropriados na determinação do valor das respectivas propriedades e autonomiza critérios de classificação do solo que não vigoram fora da relação expropriativa.
A análise da questão de constitucionalidade em apreço não poderá incluir a apreciação do regime concretamente previsto no Plano Director Municipal de Paços de Ferreira para as “áreas florestais estruturantes” e a (in)existência de capacidade edificativa daí resultante, uma vez que, como vimos, trata-se de uma dimensão não incluída pela recorrente no objecto do recurso de constitucionalidade. Desse regime apenas importará reter que, como a própria designação indicia, tais áreas se destinam dominantemente à exploração florestal, não sendo permitidas “práticas de destruição total do coberto vegetal”. Estão excluídas operações de loteamento, só sendo admitidas construções de moradias unifamiliares, para fins habitacionais, sob requisitos condicionantes muito restritivos. Pode, pois, concluir-se que o solo em causa estava regulamentarmente vinculado, senão total, pelo menos parcialmente, a um destino diverso do da construção.
Note-se também que o recurso se cinge, de acordo com teor literal do respectivo requerimento, à classificação do solo como apto para construção. Está aparentemente apenas em causa uma dada dimensão interpretativa da norma do artigo 25.º, n.º 2, alínea a), do CE, em si mesma considerada, e não a conjugação dessa norma com determinadas regras de cálculo do montante indemnizatório. Mas, sendo a indemnização atribuída em função da classificação, esta importa para efeitos do cálculo da indemnização. Qualquer classificação a estabelecer, neste domínio, apresenta-se sempre funcionalizada à fixação de critérios indemnizatórios ajustados ao valor dos terrenos. Daí que contestar que um solo abrangido em plano director municipal por área florestal estruturante possa ser classificado como solo apto para construção é o mesmo que contestar que seja como tal indemnizada a sua expropriação.
Simplesmente, dessa classificação não decorre um único padrão indemnizatório, dado, além do mais, o disposto no artigo 26.º, n.º 12, do CE. Constata-se, todavia, que, embora faça uma alusão a este preceito, como capaz (conjuntamente com a norma do n.º 5 do artigo 23.º) de resolver a questão da indemnização dos terrenos integrados em RAN ou em REN (fls. 943 dos autos), em momento algum o acórdão recorrido lançou mão do critério indemnizatório nele consagrado. Parece, assim, claro que o tribunal, ao valorar apenas as características do terreno, pelo prisma dos elementos constantes do n.º 2, alínea a), do artigo 25.º, para efeitos da sua classificação (e consequente indemnização), seguiu uma interpretação, de acordo com a qual a destinação, fixada em plano director municipal, a “área florestal estruturante” de um terreno dotado de objectiva potencialidade edificativa não interfere na aplicação daquela norma, para efeito da aplicação das regras gerais de cálculo indemnizatório que lhe estão associadas.
Em conformidade, o que, em último termo, está em questão é saber se, em caso de expropriação para construção de uma via de comunicação, é constitucionalmente admissível tratar um solo dotado das infra-estruturas previstas no artigo 25.º, n.º 2, alínea a), do Código das Expropriações, mas classificado como “área florestal estruturante” no respectivo plano director municipal, como se não estivesse sujeito a esta vinculação administrativa. Ou, dito de outro modo, se a limitação de construção decorrente do PDM deve ou não ser considerada, requerendo uma classificação/indemnização do terreno diferenciada (para menos) da que cabe aos terrenos cuja edificabilidade (em face do n.º 2, alínea a), do artigo 25.º) não sofra idêntica restrição.
Não se trata, em rigor, de saber se o preenchimento dos requisitos próprios da potencialidade edificativa é um factor de valoração a considerar na indemnização, quando o terreno tem esse aproveitamento económico contrariado por plano director municipal. Nessa dimensão, que não está aqui em causa, a questão traduz-se em saber se a afectação a outro destino, em instrumento de gestão territorial, impõe ou não necessariamente a classificação do solo como “apto para outros fins”, o mesmo é dizer, se essa afectação é impeditiva de uma indemnização no quadro da classificação como “apto para construção”.
A presente questão é a oposta, configurando-se como a de saber se essa afectação é um factor irrelevante, em nada se repercutindo na classificação/indemnização de um terreno dotado dos elementos referidos em qualquer das alíneas do n.º 2 do artigo 25.º A resposta afirmativa pressupõe que esses elementos têm valência autonomamente prescritiva da classificação, bastando para uma categorização definitiva do terreno em causa e para a aplicação de um concreto regime indemnizatório.
8. A relevância “positiva” dos instrumentos de gestão territorial está expressamente consagrada na lei, considerando-se como solo “apto para construção” aquele que «está destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir as características descritas na alínea a)» (a adquirir as infra-estruturas aí referidas) – alínea b) do n.º 2 do artigo 25.º do CE.
A dificuldade reside em saber qual é a relevância “negativa” dos mesmos instrumentos de gestão territorial, ou seja, em que medida as proibições, restrições ou limitações ao ius aedificandi neles previstas, podem afectar a dicotomia classificativa traçada nas duas alíneas do n.º 1 do artigo 25.º do CE.
O n.º 5 do artigo 24.º do Código das Expropriações de 1991 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro, e entretanto revogado pelo artigo 3º da Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, que aprovou um novo Código das Expropriações) estabelecia o seguinte: «para efeitos de aplicação do presente Código é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção».
Esta norma desapareceu no CE de 1999, dele constando agora apenas um n.º 3 do artigo 25.º que, a seguir à descrição, no n.º 2, das situações que determinam a qualificação como “solo apto para construção”, considera «solo para outros fins o que não se encontra em qualquer das situações previstas no número anterior».
As hesitações do legislador ordinário nesta matéria estão bem ilustradas quando se constata que a forma de cálculo do valor de um solo, classificado em plano municipal como zona verde ou de lazer, constava inicialmente de uma norma sobre o “cálculo do solo para outros fins” (artigo 26.º, n.º 2, do CE de 1991), enquanto que, no Código actual, a mesma forma de cálculo se insere nas regras de “cálculo do valor do solo apto para a construção” (artigo 26.º, n.º 12, do Código de 1999).
Ou seja, os solos destinados, em plano director municipal, a fins diversos da construção podem, ainda assim e mediante certas condições, ser considerados como “solos aptos para construção”, aplicando-se ao cálculo da respectiva indemnização, uma fórmula específica, que é idêntica à que já se previa no Código de 1991, onde tais solos eram enquadrados nos “solos para outros fins”.
O actual artigo 26.º, n.º 12, apenas diverge do seu antecessor em dois aspectos: passou a referir, para além dos solos classificados como zona verde ou de lazer, também os solos classificados para “instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos” e passou a fazer menção expressa a que esse cálculo só se aplica a solos cuja aquisição seja “anterior” à entrada em vigor do plano municipal que opera tal classificação.
No presente recurso, não está directamente em causa, como vimos, a norma do artigo 26.º, n.º 12, por a mesma não ter sido aplicada, pela decisão recorrida, no cálculo da indemnização – só por via de analogia aliás, o poderia ser, dado que a norma não inclui, na sua previsão, expressis verbis, os solos classificados como “área florestal estruturante”. Mas a presença, no sistema regulador dos critérios indemnizatórios, de uma tal previsão evidencia bem que o legislador ordinário deu relevo classificatório, para este efeito, às condicionantes e proibições de edificação que pesam sobre os terrenos, por força de instrumentos de gestão territorial.
De facto, ainda que integrada num preceito que estabelece critérios de cálculo da indemnização, pressupondo a anterior classificação do terreno como apto para a construção (cfr. a epígrafe do artigo 26.º), a norma em causa acaba por diferenciar, dentro dessa categoria genérica, uma espécie de terrenos a que cabe um regime próprio. Como bem se destaca no Acórdão n.º 469/2007, ela autonomiza o tratamento de “uma situação específica”, instituindo um «tertium genus, a que corresponderá indemnização mais elevada do que se tratasse apenas de terreno agrícola [na espécie em causa], mas menos elevada do que a devida aos terrenos com actual capacidade edificativa (…)». Do ponto de vista da indemnização a atribuir – o único relevante, nesta matéria - o CE, apesar de “aparentemente assentar numa divisão dicotómica dos solos expropriados”, tendo em conta apenas o teor do n.º 1 do artigo 25.º, consagra, na verdade, uma classificação tripartida, uma vez que reconhece uma categoria de terrenos a que não cabe o regime dos solos aptos para outros fins, nem o regime dos terrenos com objectiva aptidão edificativa a que não se opõe qualquer proibição legal ou regulamentar de construir.
No mesmo sentido de que o binómio “solos aptos para construção”-“solos aptos para outros fins” pode não nos dar, em definitivo, um critério concreto de cálculo indemnizatório, depõe o disposto no n.º 5 do artigo 23.º do CE. Aí se estabelece que «(…) o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26.º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor».
Por esta norma se evidencia que “os critérios referenciais” legalmente fixados não passam disso mesmo, ou seja, de directrizes orientativas para encontrar o “valor real e corrente” dos bens, “numa situação normal de mercado”. Este é que constitui o padrão substantivo de cálculo, de que o julgador se não pode afastar. Em face dele, os critérios constantes dos artigos 26.º e seguintes têm uma função instrumental facilitadora, comportando ainda ganhos de segurança e previsibilidade. Mas não gozam de imperatividade absoluta, detendo o julgador a faculdade de aplicar um critério correctivo ou alternativo, quando entender que essa é a única forma de atingir a medida da “justa indemnização”, constitucional e legalmente imposta.
Atenta também esta relativa flexibilidade dos critérios de cálculo indemnizatório, o apuramento definitivo da indemnização a arbitrar não pode contentar-se com a averiguação do preenchimento ou não dos requisitos fixados em qualquer das alíneas do n.º 2 do artigo 25.º Sendo o solo objectivamente dotado de aptidão construtiva, impõe-se ainda, de acordo com o sistema global de padrões indemnizatórios, uma ponderação posterior, em torno da eventual ocorrência de factores que, na situação concreta, tenham projecção constitutiva do valor de mercado dos terrenos expropriados.
Entre esses factores, obteve previsão legal expressa, com consagração de um regime indemnizatório específico, a afectação, imposta por via regulamentar, a um destino distinto da habitação. Importa ajuizar se, para dar cumprimento à exigência constitucional da “justa indemnização”, é ou não indispensável ter em conta essa circunstância.
9. De entre a vasta jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria de expropriações, parte significativa tem versado sobre interpretações normativas respeitantes à classificação de terrenos que, sendo dotados de capacidade edificativa objectiva, por reunirem os elementos do n.º 2 do artigo 25.º do CE, estão vinculados, por instrumento de gestão territorial, a fim diverso do da construção.
Esteve basicamente em causa, nesses arestos, a questão da conformidade constitucional da norma do artigo 26.º, n.º 12, respondendo-se à questão de saber se é admissível que aos terrenos constantes da respectiva previsão (alargada, por aplicação analógica, aos terrenos integrados em RAN ou em REN) seja atribuída a indemnização nela fixada, ou se eles devem ser valorados somo “solos aptos para outros fins”. Essa jurisprudência não é uniforme, sendo possível identificar duas orientações divergentes.
A primeira pronuncia-se no sentido da inconstitucionalidade da interpretação que inclui na classificação de “solo apto para construção” e como tal indemniza um solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação (Acórdão n.º275/2004), e fazendo prevalecer o mesmo juízo de inconstitucionalidade mesmo quando tal solo detenha, como expressamente é reconhecido na fórmula decisória, aptidão edificativa segundo os elementos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do CE (Acórdãos n.ºs 417/2006 e 118/2007). No mesmo sentido, ainda que a propósito de norma diversa, se pronunciou o Acórdão n.º 398/2005, ao decidir «não julgar inconstitucional a norma do n.º 3 do artigo 25.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, interpretada com o sentido de excluir da classificação de “solo apto para a construção” solos integrados na Reserva Agrícola Nacional ou na Reserva
Uma segunda orientação, de sentido oposto, emanada desta 2.ª Secção, expressa inicialmente no Acórdão n.º 114/2005, não julgou inconstitucional «a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro, na medida em que permite a classificação do terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional como 'solo apto para construção' (…)». Essa orientação foi mantida no Acórdão n.º 469/2007, que julgou inconstitucional «a interpretação dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 12, e 27.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, segundo a qual o valor da indemnização devida pela expropriação, para construção de um terminal ferroviário, de um terreno, que objectivamente preenche os requisitos elencados no n.º 2 do artigo 25.º para a qualificação como 'solo apto para construção', mas que foi integrado na Reserva Agrícola Nacional (RAN) por instrumento de gestão territorial em data posterior à sua aquisição pelos expropriados, deve ser calculado de acordo com os critérios definidos no artigo 27.º para os 'solos para outros fins', e não de acordo com o critério definido no n.º 12 do artigo 26.º, todos do referido Código».
Como já se deixou expresso, não é esta dimensão interpretativa que nos ocupa, pelo que a fundamentação que presidiu aos dois citados Acórdãos n.ºs 114/2005 e 469/2007 não é automaticamente transponível para o caso em apreço. Há, na verdade, uma diferença significativa entre as questões de constitucionalidade apreciadas naqueles arestos em relação à que se encontra sub judicio, nestes autos: neles discutia-se a admissibilidade de inclusão de um solo na categoria de “solo apto para construção”, com vista a poder ser-lhe aplicável o regime de indemnização específico, contemplado no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações; diversamente, na presente situação, está em causa a conformidade constitucional de classificação do terreno expropriado como “solo apto para a construção” apenas pelos elementos definidos no artigo 25.º, n.º 2, alínea a), sem considerar a sua afectação administrativa a outro fim (e, logo, sem aplicar o específico critério de determinação do valor da indemnização resultante dessa situação). No contexto da questão especificamente suscitada neste recurso de constitucionalidade, pode (e deve) ficar em aberto se é conforme com o critério da “justa indemnização” o regime indemnizatório da norma do artigo 26.º, n.º 12, ou se esse critério impõe que aos terrenos caracterizados nesta norma seja negada qualquer aptidão para a construção, com a consequente classificação como “solos aptos para outros fins”. Importa antes decidir se a presença dos elementos reveladores de aptidão construtiva, nos termos do n.º 2, alínea a), do CE, legitima, por si, a aplicação do regime geral indemnizatório atinente a essa classificação, sem levar em conta a vinculação imposta por via regulamentar.
De certa forma, a questão que nos presentes autos se suscita é a inversa daquela que foi objecto de decisão pelos Acórdãos n.ºs 145/2005 e 597/2008. Estava em causa, nestes arestos, a constitucionalidade da dispensa de averiguação dos requisitos gerais de edificabilidade, para aplicação da fórmula de cálculo do n.º 12 do artigo 26.º, tendo o Tribunal decidido julgar inconstitucional esta norma, «quando interpretada no sentido de que, para efeitos da sua aplicação, a aptidão edificativa do terreno expropriado não tem de aferir-se pelos elementos objectivos definidos no artigo 25.º, n.º 2, do mesmo Código». No presente caso, inversamente, não está em causa a relevância da aptidão objectiva para a edificabilidade de um terreno sujeito a outro fim por vinculação administrativa, mas antes a possível interferência desta na classificação/indemnização a atribuir.
10. A convocação do princípio da igualdade é um locus obligatus nesta matéria, pois «o cânone da justa indemnização está indissoluvelmente ligado ao princípio da igualdade, em termos de implicação recíproca», como se reiterou no Acórdão n.º 597/2008. Os critérios de indemnização devem assegurar a igualdade de tratamento perante os encargos públicos, quer no plano da relação interna da expropriação, em que se compara a situação dos expropriados entre si, quer no plano da relação externa, em que o termo de comparação é a situação dos não expropriados.
A satisfação destas exigências opera nos dois sentidos, opondo-se tanto a soluções por via das quais o sacrifício do expropriado não resulte devidamente compensado, como a soluções que o coloquem em posição desproporcionadamente vantajosa, trazendo-lhe um benefício injustificado.
Mas, nesta segunda vertente, e no plano da relação externa, um juízo de desconformidade deve ser formulado com particulares cautelas, na medida em que se tenha que entrar em linha de conta, não apenas com dados normativos presentes e efectivos, mas também com factores, potencialmente incertos e mutáveis, de conformação do mercado. Este não nos dá um valor fixo e bem determinado, mas um espectro de valores possíveis, dentro de limites máximo e mínimo. E pode, até, admitir-se que a própria especificidade do dano causado pela expropriação e das ponderações avaliativas que suscita confiram ao legislador a liberdade de definir critérios que compensem o carácter coactivo da perda sofrida pelo expropriado, levando-o a estabelecer, dentro de limites razoáveis, um valor superior ao mínimo alcançável no mercado – cfr. sugestões neste sentido nos Acórdãos n.ºs 114/2005 e 234/2007.
Desta consideração resulta que um juízo de ultrapassagem da justa indemnização, por excesso, com ofensa ao princípio da igualdade, no plano da relação externa, só deva emitir-se perante um critério que conduza, com elevado grau de evidência, a “uma manifesta desproporção entre o valor fixado e o valor do bem” (Acórdão n.º 114/2005).
Tem decidido esta 2.ª Secção que está ainda dentro de um equilíbrio razoável a solução estatuída, no n.º 12 do artigo 26.º, para situações, como a dos autos, em que se conjuga a aptidão construtiva, pelos padrões do artigo 25.º, n.º 2, com a afectação, por via legal ou regulamentar, a fim diverso da construção. Tem sido entendido que a previsão de uma indemnização mais favorável, para o expropriado, do que a resultante da classificação como “solo apto para outros fins”, mas menos favorável do que a atribuível pelas regras gerais decorrentes do reconhecimento da edificabilidade contempla adequadamente ambos os factores, não negando a relevância que cabe a cada um deles. Nos termos do Acórdão n.º 469/2007, pronunciando-se sobre a expropriação de um prédio incluído em RAN, estamos perante «uma solução que se reputa adequada à salvaguarda do direito à justa indemnização dos expropriados, com respeito pelo princípio da igualdade».
Mas a interpretação que presidiu ao acórdão recorrido desconsiderou totalmente a circunstância de o terreno se encontrar classificado em PDM como “área florestal estruturante”, limitando-se a aferir da existência dos elementos do artigo 25.º, n.º 2, alínea a). Ao apelar unicamente para a verificação desses elementos, efectuou uma classificação do solo como apto para construção, nos mesmos termos que seriam aplicáveis a um solo que, detendo idêntica potencialidade edificativa, não estivesse sujeito a semelhante vinculação normativa (em PDM), limitativa dessa mesma potencialidade.
Ora, ao tratar de forma idêntica duas situações diferentemente valoráveis, o tribunal recorrido está simultaneamente a conceder uma vantagem excessiva ao expropriado, facultando-lhe a percepção, por força da expropriação, de uma indemnização de valor manifestamente superior à contrapartida ao seu alcance, fora da relação expropriativa, à data em que esta se constituiu.
Resulta, pois, violado o critério da justa indemnização, com desrespeito pelo princípio da igualdade.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação do critério da “justa indemnização” (artigo 62.º, n.º 2, da Constituição) e do princípio da igualdade (artigo 13.º), a norma do artigo 25.º, n.º 2, alínea a), do Código das Expropriações (aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, com as alterações posteriores), quando interpretada no sentido de “classificar como solo apto para construção um solo abrangido em plano director municipal por área florestal estruturante”, com total desconsideração desta vinculação administrativa;
b) Em consequência, conceder provimento ao recurso, determinando a reformulação da decisão recorrida, em conformidade com o precedente juízo de inconstitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 25 de Janeiro de 2011.- Joaquim de Sousa Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos. Vencido, nos termos dos acórdãos n.º s 234/2007 e 239/2007, e da declaração de voto aposta ao acórdão n.º 145/2005, cuja doutrina entendo transponível para a presente situação.